“Portugal
não é a Grécia e eu estou desempregado”
Fabuloso
texto, escrito e lido por André Albuquerque ontem, frente a esta mol de gente
que saiu às ruas a afirmar o que sente.
As
fotografias não lhe fazem justiça.
Portugal
não é a Grécia e eu estou desempregado, um actor desempregado. Em Novembro
volto à labuta. À bilheteira e sem direitos, que é para não pensar que
desaperto o cinto das calças. Os humanos não passam sem pão e água e os países
não existem sem Cultura. O Coelho gosta da Nini e do Lá Féria, o Costa dá
praças ao Tony. Na Ajuda o cacilheiro está sempre primeiro. Portugal embarcado
e emigrado. Portugal afundado e eu continuo desempregado.
De
Bragança até Faro: corta na saúde, corta na educação, corta na cultura, corta
na dança, corta no cinema, corta no teatro. E depois? Depois privatiza,
privatiza filho. O Teatro S.Carlos Santander Totta apresenta! O Teatro Sonae
S.João vai estrear! O D.Maria II BPN orgulha-se de apresentar: Duarte e
Loureiro a caminho da Carregueira!...há coisas que só mesmo no teatro...
"Artigo
78.º, Fruição e criação cultural, ponto 1: Todos têm direito à fruição e
criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o
património cultural." Porra para a constituição...o que é que a
constituição já fez por ti hoje? O que é que a porra da constituição já fez por
ti alguma vez na vida? Queime-se a constituição, queime-se o código do
trabalho, glória ao pai, ao filho e ao trabalho temporário!
Portugal
não é a Grécia e eu estou desempregado.
E
quero ainda dizer, que isto aqui, que isto aqui, é uma cambada de activistas,
uma cambada de sindicalistas e uma cambada de lambões! Vão trabalhar, porra!
Vão p'rá estiva 80 horas por semana, vão lavar escadas às 5h da manhã, vão ter
dois empregos que é bom p'rá tosse, vão chapar massa em cima de andaimes,
trabalham e ainda vêm a vista, vão servir às mesas, ficam com varizes, mas
trabalham os gémeos, estão desempregados? Apanhem o cacilheiro gondoleiro. E a
Luísa? Continua a subir a calçada...
Deus
no céu, Soares dos Santos na terra. Pingo Doce, venha cá! Venha cá ver como se
destrói a produção nacional, venha cá ver como se faz uma fundação
instrumental. Pingo Doce: um litro de vinho aliena e estupidifica um milhão de
portugueses. O Pingo é mais doce com a sede na Holanda, o Pingo quer ir ser
ainda mais doce para o meio da Colômbia, o Pingo já é doce na Polónia do
Wojtila. Pingo Doce: erva, coca, igreja e exploração, e tudo sem custos de
produção.
Portugal
não é a Grécia e eu estou desempregado.
E
queria chamar para junto de mim Isaltino Afonso de Morais! E queria chamar para
junto de mim Alberto João Jardim! E queria chamar para junto de mim Avelino
Ferreira Torres! E queria chamar para junto de mim Valentim Loureiro! E queria
chamar para junto de mim Oliveira e Costa! E queria chamar para junto de mim
Alves dos Reis! E queria chamar para junto de mim Al Capone!
"Artigo
20.º, Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, ponto1: A todos é
assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos." Alguém tire a venda à Justiça, por
amor da Constituição.
"Artigo
74.º, Ensino, ponto 1: Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à
igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Artigo 75.º, Ensino
público, particular e cooperativo, ponto 1: O Estado criará uma rede de estabelecimentos
públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. Artigo 64.º,
Saúde, ponto 1: Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender
e promover. Ponto 2: O direito à protecção da saúde é realizado: alínea a)
Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as
condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito."
Ah, maldito tendencialmente! À venda neste leilão temos também um artigo de
grande valor económico, um maravilhoso contrato swap dirigido à sua PPP de
estimação, esqueça a lei fundamental do seu país e governe-se com artigos
financeiros do mais tóxicos que há. Sabe qual é o preço certo?
Portugal
não é a Grécia e eu estou desempregado.
“Faz-me
um bocadinho de impressão que 15 pessoas por mais eminentes que sejam tenham o
poder de condicionar a vida de milhões de pessoas da forma como têm”(1), a
saber: O Ulrich dos aguentas, o Catroga dos pintelhos, o Ferreira do Amaral das
pontes, o Luís e o Nuno Amado dos bancos, o Ulrich dos aguentas, o Salgado dos
espíritos santos, o Belmiro dos carnavais, o Durão dos caldos entornados, o
Pires de Lima das cautelas, o Seguro do qual é a pressa, o Ulrich dos aguentas,
o Moedas dos especialistas adolescentes, o Portas dos submarinos e dos vices, o
Passos Coelho das enxadinhas para trabalhar, o Cavaco dos muito, muito, muito,
muito, muito, muito, muito...e as pistolas do Buiça? Emigraram com ele para a
Suíça. Foi ao Campo Pequeno não havia viv'alma, no Terreiro do Paço estavam
umas pessoas a correr patrocinadas pela telefonia, pegou na mulher e nos filhos
e toca de zarpar. Já não teve de dar o salto, mas as lágrimas caíram-lhe na
mesma.
"O
que é que não temos? Satisfação! O que é que nós queremos? Revolução!"(2)
Hoje é outra vez o primeiro dia do resto das nossas vidas, temos todos e todas
um brilhozinho nos olhos. A austeridade não é inevitável. O pensamento não é
único. Eu cruzei a ponte. Pára o porto, pára Coimbra, pára Braga, pára Viseu,
pára o Funchal, pára Vila Real, pára Évora, pára tudo! O Alentejo é nosso outra
vez. "A paz, o pão, habitação, saúde, educação. Só há liberdade a sério
quando houver liberdade de mudar e decidir, quando pertencer ao povo o que o
povo produzir."(3) "Não nos venham com cantigas, não cantamos para
esquecer, nós cantamos para lembrar que só muda esta vida, quando tiver o poder
o que vive a trabalhar."(4) Se o ataque é brutal, a greve é geral.
Salários e pensões não pagam dívidas, o empobrecimento não paga dívidas, a
exploração não paga dívidas. Trabalhadores e trabalhadoras em luta contra a
carestia de vida. A troika cheira mal dos pés, a troika é burra, morra a
troika, morra pum! A troika é a velha, mas nós não somos nêsperas.
Spartacus
morreu na cruz, a Revolução Francesa morreu na cruz, o 25 de Abril ainda está
na cruz, é tempo de o resgatarmos.
"Artigo
1.º, República Portuguesa, Portugal é uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade popular, e empenhada na construção de
uma sociedade livre, justa e solidária."
Liberdade,
igualdade, fraternidade. Eu sou Spartacus. O povo, quando estiver unido, jamais
será vencido.
"Artigo
21.º, Direito de resistência: Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem
que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força
qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade
pública." A austeridade ofende os meus direitos, as minha liberdades e as
minhas garantias.
Liberdade,
igualdade, fraternidade. Eu sou Spartacus. Portugal não é a Grécia e eu estou
desempregado, mas resisto. A maré vai-se levantar. Eu cruzei a ponte. Não há
becos sem saída. O Povo contra-ataca. Nós ou a troika?
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