quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Passe



Naquele dia os meus horários de trabalho foram bem diferentes do habitual. Tanto na entrada como na saída.
Vai daí, pensei eu, se é para quebrar rotinas que seja por completo. E quando saí mudei de trajecto para casa.
Outro autocarro, que me deixaria noutro ponto da cidade e que, apesar disso, me permitiria embarcar num comboio, mas noutra estação. Quebras nas rotinas.
O sol já se tinha posto e o autocarro tinha poucos passageiros. Apesar disso, o motorista não mostrava pressa na condução, talvez que, devido ao pouco transito, não se verificavam atrasos.
Numa das paragens, e como de costume, as portas abriram-se, saíram passageiros, entraram passageiros e as portas fecharam-se. Rotinas.
Mas ainda antes de retomar a marcha, surge junto à porta de entrada um jovem, talvez de quinze anos, a correr e esbaforido. O motorista apercebeu-se e abriu a porta.
O rapaz não subiu logo. Fez ali um compasso de espera, olhando para trás, naquilo que muitos de nós entendemos mesmo sem explicações: Tinha ele vindo à frente de outras pessoas, que não correriam como ele, e estava ali a garantir que conseguiriam embarcar. Também normalíssimo.
Chegaram, finalmente. Uma família, de seis elementos, o mais novo com uns seis anos, ou dois com uns dez a doze, mais o que pareciam ser pai e mãe.
Embarcaram, os pequenotes sentados à frente, o resto da família nos últimos bancos do autocarro. Também isto tudo normal.
Tal como normal o facto de serem de origem indiana. Constatável nas feições, nos trajes e na língua que entre si usavam. Uma das zonas atravessada por aquela carreira de autocarros é habitada por muitos migrantes com essa origem, pelo que nada incomodava ou estranhava.
O que me incomodou, mesmo, foi o facto de nenhum deles, nenhum mesmo, ter emitido um agradecimento ao motorista. Nadica de nada. Entraram, sentaram-se e nada disseram a quem por eles esperou, pese embora já tivesse fechado as portas e se preparasse para iniciar a marcha.
Tal como me incomodou que nenhum deles, nem um só que fosse, tivesse pago a tarifa de bordo ou apresentasse passe ou bilhete pré-comprado.
Pareceu um acto perfeitamente normal o embarcar sem pagar ou demonstrar que já haviam pago.
Confesso que não gostei. Nada!
É que poderiam não ter agradecido, mas ter pago o serviço recebido. Poderiam ter usufruído de uma borla, legal ou não, mas ter retribuído a gentileza com uma palavra simpática.

Infelizmente, pese embora o querer quebrar rotinas, há coisas que são imutáveis.

By me 

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