quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Do lixo



Eu ia sem grande pressa. A cabeça ia embrenhada no como resolver uma questão fotográfica e o meu olhar, à medida em que ia caminhando, deambulava pelo que se me oferecia no caminho.
Mas ficou preso naquela montra. Uma loja numa estação de caminho-de-ferro, vendendo roupa e acessórios de moda femininos. No entanto, um conjunto de artigos na montra poderia resolver-me a questão. Entrei.
Expliquei ao que ia, testei o que queria e a conversa alongou-se. Naturalmente que muito para além daquele negócio em perspectiva e abrangendo as actuais dificuldades da vida.
Quem me atendia também não era parca nas palavras e a revolta tinha-se instalado. A dado passo afirma que haveria era que acabar com todos esses ladrões de alto nível. Que vai preso que rouba um pão, tem perdão quem rouba um milhão. Ou semelhante.
Ficou a olhar para mim quando lhe respondi, sem ironias ou sorrisos:
“Quero mesmo é outra coisa. Os ladrões, cedo ou tarde, são apanhados. Mas não há margem de tempo para quem anda a recolher o que come dos caixotes do lixo. É com isso que quero terminar. A questão dos roubos é um sucedâneo.”
Olhou para mim uns segundos e voltou à carga, que com aqueles bandidos haveria era que…

O problema actual é rigorosamente este: preocupamo-nos no como resolver deixando para segundo plano as questões de fundo: o que atingir. É pouco importante acabar com os roubos ou corrupções. É realmente importante acabar com a pobreza, a fome, o não acesso à justiça, à saúde, à educação, o haver quem, por ter nascido de gente sem posses esteja condenado a assim viver para sempre. Isso ou recorrer a roubos e outras estratégias que todos condenam.

No campo politico-partidário a questão repete-se.
Quer se trate das formações existentes, quer analisemos as emergentes, com maior ou menor protagonismo, as propostas apresentadas passam, primordialmente por resolver questões pontuais. Deficites, insolvências, sistemas informáticos, relações diplomático-comerciais…
As questões que essas medidas pretendem resolver não são alicerçadas em projectos de sociedade. São como as mantas de retalho que se vão juntando, tapando aqui e ali mas que, na prática, não resolvem a questão do frio.
As organizações políticas existentes continuam a agarrar-se nas questões da gestão de dinheiros. Públicos e privados. As organizações que vão surgindo, com este ou aquele rótulo, vão-se preocupando com os métodos, mais abertos e participativos, mais férreos e centralistas. Mas nenhum deles argumenta ou se bate por opções de sociedade, igualitária ou não.
Entendem, por aquilo que vou entendendo, que pobres e ricos são uma inevitabilidade e que com isso teremos que viver. Batem-se sobre quem toma as decisões, se local, se regional, se global, mas não os oiço argumentar em torno dos que não possuem, sequer, ânimo para decidir que não seja a sobrevivência diária. Discutem questões ambientais do planeta, mas não os vejo a tomar medida na efectiva distribuição de recursos e meios por todo ele.

O dinheiro é-me pouco importante. Apenas define estratos sociais e permite (ou não) o acesso à satisfação das necessidades básicas: físicas, emocionais, intelectuais.
Enquanto não se decidir que o que importa é ser feliz e viver em tranquilidade, todas as outras medidas, argumentos e teorias mais não serão que mais do mesmo, perpetuando as diferenças entre humanos baseadas em poder. Seja ele qual for.
Enquanto o que importar seja a forma e não o conteúdo, enquanto o que importar sejam os meios e não os fins, tenham lá santa paciência, mas não contam comigo.
Que eu não quero acabar com os ricos mas sim com os pobres!

Não sei se aquela quarentona naquela loja de moda barata entendeu a minha mensagem.

Afinal, a sua própria sobrevivência material depende do consumo rápido fruto da volatilidade das modas. Teóricas e práticas.

By me 

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