Tem dias que é
assim: em não tendo pressa ou decidindo não ter pressa, deixo-me levar por
aquilo que vejo ou imagino que vejo. Que sinto ou imagino que sinto. Que nem
sempre tenho a certeza de ser uma coisa ou outra.
E não ter pressa
ou decidir que não se tem pressa é uma dádiva dos deuses, da qual não são
avaros se soubermos aproveitar.
Depois de tomar um
café na gare do oriente, ainda faltavam dez minutos para o meu comboio. Ou
vinte e cinco para o seguinte, se algo me prendesse por ali, por entre a chuva
que caía fora dos abrigos, os passageiros que passavam e a luz que se ia
escoando.
E aquele era um
dos passageiros que me atraiu o olhar.
Um pouco mal alto
e velho que eu, seco de carnes e com um panamá para a chuva a tapar-lhe com
dificuldade a cabeleira ruiva a virar grisalha que irmanava em cor e tamanho
com a barba, parecia estranhar o local. A pequena mochila com etiqueta e a
pequena mala com etiqueta, ambas de avião, diziam tudo.
Primeiro olhou
para o obliterador electrónico, com ar de quem não sabia para que serve. Depois
para a máquina que vende os bilhetes, prestando atenção ao que faziam os do
costume, mas também não avançando para ela. De seguida foi olhar para os
cartazes dos horários, circundando-os mas não se detendo em nenhum. E o seu olhar
descobriu a bilheteira convencional, com vendedores atrás do vidro. E foi.
Eu, cusco e
achando que algo talvez não corresse bem, deixei-me escorregar pelo chão
molhado, como quem não quer a coisa, só para ver o que acontecia.
Falava ele com o
funcionário pelo buraco do costume, mas seria o mesmo se não estivesse. Que não
se entendiam, fazendo o “biheteiro” gestos vagos mas bruscos apontando para o
outro lado da gare. E, pelo que percebi do movimento labial, respondendo-lhe em
português.
O homem do panamá
e da mala afastou-se, dando lugar a outro cliente, mas com um olhar de quem não
tinha aquilo que havia procurado: uma informação.
Não gostei! Não
gostei do olhar de meio-perdido nem do que vi de desabrido por parte de quem
vende bilhetes de comboio numa estação internacional ao tratar comum
forasteiro.
Avancei e recorri
ao “esperanto contemporâneo”, Inglês, perguntando-lhe se o poderia ajudar.
Sabia inglês,
fluentemente ainda que com um sotaque que não consegui identificar e disse-me
que queria comprar um bilhete para Faro e não sabia onde. E que era primeira
vez que estava em Portugal.
Percebi tudo.
Aquela era uma bilheteira para comboio urbanos e regionais. Os de longo curso
são na outra ponta da gare, para onde o mal-encarado e incorrecto funcionário
havia apontado. E lá levei o forasteiro até à bilheteira certa, deixando-o na
fila. Com a secreta esperança de entenderem o seu inglês. Entenderam, que lho
venderam, e lá se encaminhou para o cais de embarque correspondente.
Acenou-me enquanto
subia as escadas rolantes, que o comboio partia em breve.
E afastei-me eu em
direcção à bilheteira onde ele tinha sido mal-tratado. Informava, em português,
que vendia bilhetes urbanos e regionais, sem indicação de onde ficaria a outra.
Nem uma palavra, nem um sinal.
Gostei ainda
menos!
A quantidade de
gente de fora que ali chega, de comboio, camioneta ou mesmo vindo desde o
aeroporto justifica indicações mais corteses. Escritas e, principalmente, por
parte de quem vende bilhetes de comboio.
O meu nariz
cresceu para além das barbas e achei que o devia meter no assunto. Rumei ao
gabinete de atendimento do cliente, onde contei a história, indiquei quem assim
tinha procedido e questionei o como sugerir a existência de sinalética
adequada. E, de caminho, perguntei se quem ali trabalha, sendo uma estação
internacional, não tem que saber inglês. Tem, foi a resposta.
E indicaram-me
como e para onde fazer seguir a sugestão e a reclamação. Com o cuidado de me
avisarem que tal sinalética tem que ser aprovada pela CP, que gere os comboios,
pela REFER, que gere as linhas, e pela administração da GIL, que é quem gere a
gare propriamente dita. Fiquei com a impressão que, a ser aprovado, virá a
tempo de fornecer indicações aos passageiros oriundos de Marte.
Aguardo, agora, a
inspiração para redigir o texto a enviar, sintético mas duro sobre o caso e a
sugestão.
Que não quero que
aquele vendedor de bilhetes da CP possa, de ânimo leve, assim tratar os
passageiros que não falam português. No fim de contas, também são os bilhetes
que ele vende que lhe pagam o salário.
By me
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