Quando eu era
catraio, ia sozinho de autocarro para o liceu. Dois autocarros para cada lado,
com mudança a meio.
Muitas vezes não
embarquei no segundo para poupar o dinheiro do bilhete. Quando o tempo o
permitia, eu não estava atrasado e tinha algo em mente para comprar,
gulosamente cobiçado nalguma montra. O segundo e terceiro factores eram
recorrentes, que sempre gostei de chegar a horas e o orçamento familiar era bem
apertado.
Os autocarros de
Lisboa de então eram bem diferentes dos de hoje. Verdes, de dois pisos, alguns
de porta atrás, aberta por onde se podia subir ou descer em andamento se a
velocidade e a coragem o permitissem.
E tinham lotação
limitada. Ao contrário de hoje, em que se entra no autocarros urbanos desde que
se caiba, na época apenas viajavam se houvesse lugar sentado e no máximo quatro
lugares de pé, bem identificados numa placa à entrada do veículo. Fazíamos sempre
contas de quantos saíam e de quantos estavam à nossa frente na fila para
entrar, tentando saber se a sorte nos batera à porta ou se teríamos que
aguardar pelo seguinte.
E eram velhos, os
autocarros. Pelo menos nas carreiras que eu frequentava. Conservados na medida
do possível, alguns pediam reforma urgente, muito urgente. O fumo que emanava
dos seus escapes e as queixas dos seus motores não deixavam azo a dúvidas.
Nesse meu trajecto
escolar, os veículos eram sempre os mesmos nas mesmas horas e carreiras. Já os
conhecíamos. Não sei se lhes dávamos nomes, mas já lhes conhecíamos as manhas e
dificuldades.
Havia um pedaço,
numa rua íngreme, de maior dificuldade na subida. E um dos autocarros, quando
com a lotação completa, recusava-se a fazer aqueles talvez vinte metros. O
motor esganiçava-se, rugia, mas não havia meio de subir. Mas já o conhecíamos,
bem como a solução.
Em o ouvindo
assim, saíamos (era um dos de porta atrás, aberta) e o bom do autocarro,
aliviado da carga, lá conseguia vencer a ladeira. Parava no cimo, regressávamos
ao seu interior e seguia viagem.
Interessante
factor, quase que impossível nos dias de hoje, é que regressávamos todos aos
mesmos lugares que ocupávamos. E quem ia de pé, de pé continuava. Sem protestos
e, por vezes, com algum humor entre todos, cobrador incluído.
Suponho que na
história relatada no artigo referido abaixo também a questão dos lugares
retomados não se tenha posto. Mas, ao contrário do aí contado, nunca nos
pediram para empurrar o autocarro.
By me
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