O texto abaixo
escrito tem quase dez anos. Fui tropeçar nele em olhando os arquivos. Tal como
a imagem que o acompanha.
Se o escrevesse
hoje as únicas alterações seriam formais: português e organização de ideias.
Porque elas estariam lá por inteiro.
O único acréscimo
seria o referir a internete e as redes sociais que, à época, não tinham o
impacto que têm hoje.
Quanto ao resto,
aqui fica tal como o encontrei.
O texto que se
segue foi escrito durante um almoço e concebido para ser uma resposta
personalizada a uma dada situação.
Mas ao passá-lo
pelo teclado e em relendo-o, entendi que era bem mais abrangente que apenas o
seu destinatário, pelo que aqui vos o deixo na íntegra.
Companheiro:
Vejamos então se
nos entendemos nestes mal-entendidos.
Por um lado não
sou dono da verdade. Aliás, não posso ser dono de algo que não conheço nem sei
se existe. Tenho apenas opiniões que, até encontrar uma em contrário que me
convença, funcionam como orientações de pensamento e comportamento. Para mim
mesmo.
O mais que pode
acontecer é, em divulgando o que penso, encontrar outras pessoas que partilhem
os mesmos ideais e pensamentos. E, em conjunto, dizermos: “Esta é a nossa forma
de ver este assunto, partilhamo-lo e, como tal, esta é a nossa “verdade” aqui e
agora!”
E isto assim será
até que os conceitos mudem em alguns e a “verdade” de agora o deixe de ser,
passando a “engano” face à nova “verdade”. Até que uma outra sobrevenha.
Pegando agora no
caso concreto: Se eu fotografo ou não desconhecidos e em que circunstancias.
Sobre isto há que ver várias abordagens e os seus contextos.
A minha atitude de
base é: o indivíduo deve ser preservado na sua reserva de intimidade!
Esta é uma
abordagem genérica mas não dogmática.
Se alguém vem a um
local público manifestar-se, pretende que o seu manifesto seja conhecido.
Falamos aqui de actores, políticos e manifestantes anónimos que se juntam para
darem a conhecer ao colectivo os seus pontos de vista. O acto de os fotografar
e divulgar estas imagens vai ao encontro dos desejos dos fotografados, já que
com as imagens recolhidas e divulgadas as mensagens vão mais longe e a mais
gente.
No outro extremo
da escala estão aqueles que nem sequer têm possibilidade de se reservarem ou
preservarem dos olhares estranhos, quanto mais dos fotógrafos. Vagabundos,
pedintes, sem abrigo, etc., que fazem da rua a sua casa, não tanto por opção
mas antes por impossibilidades (de ordem vária) de escolher. Estes não podem
decidir quando ou o que querem partilhar da sua vida – e de si mesmos – com
estranhos.
É com estes e
nestas circunstancias que o meu pudor se manifesta com mais intensidade,
impedindo-me - ou quase - de os registar em imagem.
Eu sei que o
destino das minhas fotografias é, em regra, o meu arquivo, eventualmente uma
divulgação muito restrita. A única consequência dessas imagens que
eventualmente eu pudesse fazer seria em meu próprio benefício, mostrando o quão
sensível ou bom fotógrafo eu posso ser.
Estes
fotografados, porque indefesos e involuntariamente expostos, em nada lucrariam
com elas que não fosse uma diminuição da sua privacidade e, em constatando o
seu fazer, um aumento da sua sensação de infortúnio.
A única
circunstância em que cedo e refreio estes meus escrúpulos é quando me encontro,
enquanto fotógrafo ou técnico de imagem, ao serviço da informação. Sei nessas
ocasiões que as imagens que recolho irão beneficiar, senão o próprio retratado,
o conjunto das pessoas que se encontram naquela situação, em campanhas de
mitigação da pobreza. Aquela quebra de privacidade ou intrusão na intimidade
não será inconsequente nem para meu único benefício ou glória.
Apesar disto a
cada momento pondero os prós e os contras e, por vezes, o meu pudor nessa
intrusão prevalece. E não o faço. Com os amargos de boca e profissionais que já
me tem trazido esta atitude.
Entre um extremo e
o outro (os que se expõem e os que não podem deixar de se expor) existem todos
os outros, mais perto de uns ou dos outros.
A minha opção,
enquanto fotógrafo particular, privado, amador ou o que lhe queiram chamar, é a
de que as coisas boas devem ser partilhadas, enquanto que o sofrimento se e só
se quem sofre assim o entende.
O sorriso, a
alegria, a felicidade, a bondade são estados de alma que cada um que o vive
quer por certo partilhar. Donde, confrontado com estas situações, não me sinto
um intruso com a minha câmara. Usá-la e com o conhecimento dos fotografados é
fazer chegar mais longe o seu estado de espírito, coisa que, regra geral, eles
desejam.
Claro que no meio
de todas estas considerações de carácter pessoal (repito que esta é a minha
opinião e forma de comportamento) ainda existe a lei e o bom-senso.
A lei preserva,
para além de qualquer dúvida ou interpretação, o direito à reserva da imagem. O
ser-se fotografado depende da vontade e consentimento do próprio e do lugar e
circunstâncias em que se encontre. E mesmo no que à comunicação social diz
respeito - e ao seu direito e dever de informar -, é particularmente discutível
se podemos (se eu posso) fazê-lo sem consentimento.
O bom-senso
leva-nos, aos profissionais ou amadores de imagem, a sermos capazes de
interpretar os olhares, as expressões, os gestos e as palavras de assentimento
ou negação dos nossos alvos e a respeitarmo-los.
E o respeito pela
vontade e opinião do próximo é algo que devemos ter sempre presente, na
fotografia ou na vida, se queremos ser respeitados.
Como disse logo no
início, não sou dono da verdade, até porque não a conheço.
Apenas sei o que
penso e sinto, tentando passá-lo aos outros e, de alguma forma, demonstrar a
validade dos meus argumentos.
Mas cada um é
livre, como eu mesmo o sou, de concordar ou discordar, de agir em conformidade
ou em oposição. Considerando sempre que para cada acção há uma reacção, quer se
trate de sentimentos ou de atitudes materializadas.
Como se depreende
de todo este arengar, o poder de síntese não é um dos meus predicados. Nem o
tema é fácil de abordar em meia dúzia de linhas, que a Ética é algo de complexo
e tão volátil e mutante quanto as civilizações.
Em qualquer dos
casos, o que acima fica exposto corresponde, mais coisa, menos coisa, ao que
penso.
Aqui e agora!
Nada me garante
que amanhã, face a outros argumentos, não me desvie desta linha e, quiçá,
assuma uma posição diametralmente oposta.
Porque de
contradições é o ser humano feito e eu não passo disso!
By me
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