De quando em vez
cruzamo-nos.
Quando primeiro
travámos conhecimento, ainda nem tinha idade para votar. Aquando das minhas
larachas em troca de uma bica e de um bolo, conseguia ver um sorriso bonito e
tímido, de quem, naquela idade é forçado a repartir o seu tempo entre as
chávenas e pires a meias com a família e os bancos da escola.
Porque esta é das
outras formas de nos cruzarmos. Na rua, num sentido ou no outro, está de
regresso ou a caminho da escola aqui a menos de 1km de casa. Porque mora na
minha rua.
Também nos
encontramos, volta e meia, quando arrasta atrás de si um saco quase tão grande
quanto seu corpo franzino, com os detritos do café onde trabalha. Quando a veja
assim, pergunto-me sempre sobre quem arrasta quem.
Há algum tempo
fui-me apercebendo de mudanças: o sorriso passou de tímido e simpático para
simpático e triste; as pernas começaram a inchar; as costas a dobrar e a
barriga a crescer.
Estava grávida!
Tão nova e já
assim, usando o seu tempo livre da escola a servir bicas e refeições, e já
grávida!
A última vez que a
tinha visto fora há pouco mais de um mês. Arrastava o saco do lixo, quase maior
que ela e a sua barriga enorme.
A questão não é
comigo, mas incomodou-me. Fechada a tempo inteiro ora nas aulas ora no
trabalho, sem tempo para gozar a sua juventude, e já não a vai poder gozar por
completo. Sim, que um filho não pede muito, apenas 24 horas por dia…
Deu há luz há
cerca de duas semanas. Uma rapariga, pelo que percebi através das fofoquices do
outro café onde vou regularmente.
Hoje tornei a
vê-la.
Do sorriso bonito
e tímido, que se tinha transformado em simpático e triste, já só resta o
triste. O sorriso foi-se! Estava a arrastar o saco do lixo, maior que o seu
corpo franzino e a sua barriga que já não tem. Menos de duas semanas depois de
ter tido um filho. Numa idade em que o sol deveria brilhar, pelo menos, dia
sim, dia não.
Senti-me
envergonhado. Envergonhado por pertencer a uma sociedade, a um bairro, a uma
rua onde isto acontece e não posso fazer coisa alguma. Mesmo que queira, que a
maioria nem quer.
Espero poder ter
oportunidade de lhe tornar a dizer uma laracha das minhas e provocar um
sorriso. Ainda que tímido ou triste, mas um sorriso.
Ao menos que possa
ter um.
By me
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