Usamos a escrita
como forma de comunicação. Lidamos com os seus códigos base (letras) para
formar códigos mais elaborados (palavras) que se agrupam em códigos mais
complexos (frases). A estas, mais que simples referências a objectos,
correspondem ideias, sentimentos, abstracções, que podem ou não ter
correspondência directa entre o que pensou quem escreveu e o que pensa quem lê.
Estas
frases agrupam-se também segundo códigos: períodos, capítulos, páginas, livros…
a forma como as ideias escritas se espraiam nas superfícies de suporte também
são códigos.
Algumas
dessas ideias estão expressas de forma escorreita, clara e inequívoca. A
maioria dos romances assim o é, tal como a maioria dos textos jornalísticos.
Mas
é certo que nem todos os que escrevem usam estes códigos de forma banal e
simples. A poesia é uma dessas formas mais elaborada, em que a gestão do espaço
leva a criar ritmo na leitura, forçando a sentimentos para além dos das
palavras.
Outro
bom exemplo é a escrita de Saramago. A maior parte dela. Ideias aparentemente
confusas, que se entrecruzam sem nexo aparente. Aparente, já que a lógica dos
códigos está lá. Uma outra, mas está lá. Implica, para quem o lê, um entrar
nessa lógica, um percebê-la deixando de parte as nossas próprias lógicas e
convenções.
Indo
bem mais longe, Stau Monteiro foi um desses mestres, no ignorar as lógicas dos
códigos da escrita. Ou, se preferirem, em usar a sua ausência para criar várias
leituras ou interpretações diferentes. Procurem-se as “Crónicas da Guidinha”
para o perceberem, com textos de página inteira sem um ponto, vírgula ou
parágrafo. Tentar ler aqueles textos em voz alta implica o morrer de falta de
ar!
Na
imagem fotográfica acontece exactamente o mesmo. Temos códigos que usamos,
consciente ou inconscientemente, para comunicar.
Desde
logo a luz.
O
termos algo mais ou menos iluminado, os contrastes que criamos em função dos
interesses que queremos criar, do que queremos que seja evidente ou mais
escondido…
A
perspectiva idem.
Colocar
algo em primeiro plano, podendo não o estar, o definir linhas reais ou
imaginárias que evidenciam ou disfarçam elementos, o jogar com tamanhos
aparentes…
De
igual forma, o jogo de cores.
Ao
colocarmos algo em frente a uma outra cor, quer contraste quer se assemelhe,
estamos a dar força ou a disfarçar uma delas, a criar o sujeito, o predicado e
o complemento.
Tal
e qual como na escrita.
Mas
tal como na escrita, podemos chamar de analfabetos aqueles que se confrontam
com o que fazemos. Ou de estúpidos.
Quando
sublinhamos por inteiro toda uma página, quando necessitamos de escrever em
maiúsculas toda uma frase, quando deixamos uma palavra solitária no meio de uma
página ou mesmo de um livro, estamos a dizer a quem lê que só aquilo é
importante e que tudo o resto é inútil, inconsequente e que a isso não devemos
prestar atenção.
A
menos que… A menos essa evidência, esse anular tudo o resto seja um estilo, uma
técnica consciente e não um recurso por falta de recursos.
Na
imagem fotográfica passa-se o mesmo.
Quando
me mostram uma imagem, originalmente feita em cores, mas quase toda ela
transformada em monocromática com excepção de um pedaço dela, fico sempre com a
certeza (ou quase sempre) que esta técnica sucede porque a gestão de espaço, a
utilização da luz, os jogos de perspectiva não foram suficientemente bons
aquando da tomada de vista para evidenciar aquilo que interessava.
É
uma técnica que pode ter excelentes resultados. De comunicação e estéticos.
Mas,
as mais das vezes, mais não é que tapar o sol com a peneira.
Dúvidas?
Peguem
na esmagadora maioria das fotografias que usam este recurso. Retirem-lhe toda a
informação cromática, transformando-a naquilo que costumamos chamar de “preto e
branco”. E verifiquem se aquilo que dantes era evidente, que não podia deixar
de ser visto, ainda o é. Verifiquem se o centro de interesse é o mesmo. Ou
mesmo se há um centro de interesse.
Todas
as técnicas de comunicação são boas para serem usadas. Faz parte da diversão o
usá-las na criação, faz parte da diversão o constatá-las na leitura.
Mas,
por favor, o sol com a peneira é que não!
Usem-nas
porque é assim que querem que seja visto, decisão usada em todo o processo
criativo, e não como forma de disfarçar incapacidades ou erros.
By me
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