Tenho
para mim que, a seguir à figura humana, aos carros, ao vestuário e ao
pôr-do-sol, o relógio será o objecto ou tema mais fotografado.
Esta
ideia não se baseia em nenhum estudo científico ou sistematizado mas tão só no
que vou vendo nos periódicos, publicidade e álbuns de família.
Presumindo
que a fotografia é, em boa medida e para muitos, uma forma subliminar de
manifestação de cobiça ou desejo de posse do objecto fotografado, é natural que
os primeiros sejam recorrentes na fotografia.
A
fotografia é o ícone daquilo que queremos ter ou ser: a pessoa amada ou a
figura admirada, o símbolo de força e poder, a exibição de atributos ou ainda de
manifestações da natureza que não podemos imitar.
Já
com o relógio os motivos serão outros. Para além do desejo de posse do objecto,
belo e tecnicamente rigoroso, existe também o desejo nunca satisfeito de
controlo do tempo.
Esta
quarta dimensão, não palpável mas apenas constatável, que vivemos
transversalmente, que não controlamos mas que malbaratamos muitas vezes com
actividades fúteis ou nefastas, é para nós, seres humanos, tão inatingível
quanto o estado divino.
O
mais que podemos fazer é constatar a sua existência, medir a sua passagem,
incapazes de o parar, aumentar ou diminuir.
Daí
que o relógio de pulso, de bolso, de parede, de torre, de corda, atómico ou de
água esteja de uma forma ou de outra representado na fotografia.
Até
porque, em última análise, a fotografia é a medíocre forma que o bicho-homem
improvisou de congelar o tempo.
Este
relógio foi encontrado neste estado, mais ou menos neste lugar, abandonado ou
perdido pelo seu anterior proprietário.
Ou
bem que ele perdeu tempo em o procurar ou bem que ganhou qualidade de vida ao
deixar de usar uma das grilhetas mais lancinantes dos tempos modernos.
Mas
não acredito na segunda possibilidade.
A
posse de um medidor de tempo tem sido, ao longo dos tempos, um símbolo de
posição social. O seu aspecto e respectiva exibição define o seu utilizador e
em que ponto da pirâmide social se encontra. Pode mesmo ser um chamariz sexual,
em que as cores, tamanhos e materiais são conotadas com as características dos
seus possuidores.
O
fotógrafo mais não é que um “ladrão de tempo”, à imagem e semelhança do
clássico “Estação de transito" de Cliford D. Simak ou “A máquina do tempo”
de W.G. Wells ou ainda do fantástico “Um americano na corte do Rei Artur”, de
Mark Twain.
Mas
este “roubo” felizmente que ainda não é punido e dá-nos, a nós fotógrafos, todo
o prazer que sabemos e usufruímos!
By me
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