terça-feira, 8 de julho de 2014

Ladrão de tempo



Tenho para mim que, a seguir à figura humana, aos carros, ao vestuário e ao pôr-do-sol, o relógio será o objecto ou tema mais fotografado.
Esta ideia não se baseia em nenhum estudo científico ou sistematizado mas tão só no que vou vendo nos periódicos, publicidade e álbuns de família.

Presumindo que a fotografia é, em boa medida e para muitos, uma forma subliminar de manifestação de cobiça ou desejo de posse do objecto fotografado, é natural que os primeiros sejam recorrentes na fotografia.
A fotografia é o ícone daquilo que queremos ter ou ser: a pessoa amada ou a figura admirada, o símbolo de força e poder, a exibição de atributos ou ainda de manifestações da natureza que não podemos imitar.
Já com o relógio os motivos serão outros. Para além do desejo de posse do objecto, belo e tecnicamente rigoroso, existe também o desejo nunca satisfeito de controlo do tempo.
Esta quarta dimensão, não palpável mas apenas constatável, que vivemos transversalmente, que não controlamos mas que malbaratamos muitas vezes com actividades fúteis ou nefastas, é para nós, seres humanos, tão inatingível quanto o estado divino.
O mais que podemos fazer é constatar a sua existência, medir a sua passagem, incapazes de o parar, aumentar ou diminuir.
Daí que o relógio de pulso, de bolso, de parede, de torre, de corda, atómico ou de água esteja de uma forma ou de outra representado na fotografia.
Até porque, em última análise, a fotografia é a medíocre forma que o bicho-homem improvisou de congelar o tempo.

Este relógio foi encontrado neste estado, mais ou menos neste lugar, abandonado ou perdido pelo seu anterior proprietário.
Ou bem que ele perdeu tempo em o procurar ou bem que ganhou qualidade de vida ao deixar de usar uma das grilhetas mais lancinantes dos tempos modernos.
Mas não acredito na segunda possibilidade.
A posse de um medidor de tempo tem sido, ao longo dos tempos, um símbolo de posição social. O seu aspecto e respectiva exibição define o seu utilizador e em que ponto da pirâmide social se encontra. Pode mesmo ser um chamariz sexual, em que as cores, tamanhos e materiais são conotadas com as características dos seus possuidores.
O fotógrafo mais não é que um “ladrão de tempo”, à imagem e semelhança do clássico “Estação de transito" de Cliford D. Simak ou “A máquina do tempo” de W.G. Wells ou ainda do fantástico “Um americano na corte do Rei Artur”, de Mark Twain.

Mas este “roubo” felizmente que ainda não é punido e dá-nos, a nós fotógrafos, todo o prazer que sabemos e usufruímos!

By me

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