quarta-feira, 23 de julho de 2014

Mau feitio



Tenho duas certezas na vida: que irei morrer e que ninguém escreverá na minha tumba “aqui jaz um tipo de bom feitio”!

Precisei de comprar uma pasta. Daquelas de cartão, com elástico, em tamanho A4, barata de preferência, e que não tivesse desenhos demasiado extravagantes.
Podendo ir a vários locais, optei por fazer o negócio numa papelaria aqui da minha zona. A diferença de preço existe, é verdade, mas sempre vou dando o meu apoio ao comércio local. Que merece e necessita.
Entrei na loja, disse ao que ia, a senhora mostrou-me várias, escolhi uma, ela guardou as restantes e eu estiquei-lhe uma nota de cinco euros para pagar.
Nesse momento tocou um telemóvel. Que estava no seu bolso das calças.
Pousou a nota no balcão, pôs-lhe a mão esquerda em cima e, com a direita, atendeu a chamada. Sem uma palavra que fosse para mim.
Fiquei a saber que falava com uma tal de Isabel, que tinha uma prima e um marido e que havia problemas no casal.
E fiquei a saber tudo isso porque a chamada durou cinco, dez, vinte, trinta, cinquenta, oitenta segundos, talvez mais.
Quando me fartei de esperar pacientemente, estendi a mão para a nota e retirei-a de sob a sua. Olhou para mim, estranhando.
Guardei-a na carteira com um sorriso, ao mesmo tempo que empurrava para ela a tal pasta que ainda estava no balcão.
E desejei-lhe as boas tardes, enquanto ela tentava, em simultâneo, responder ao telefone e dizer-me já nem sei o quê.
Saí!

Como disse acima, não tenho bom feitio. Mas vou melhorando.
É que consegui não recorrer a vernáculo nem levantar o tom de voz.

Talvez que daqui a duzentos e cinquenta anos eu esteja no ponto certo para aturar coisas destas sem reagir.

By me 

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