Para
nós, ocidentais, membros integrados da sociedade da imagem e fotógrafos, a
fotografia damo-la de barato.
Quer
seja a ver quer seja a fazer, a fotografia faz parte das nossas vidas e mais ou
menos um carregar no botão é um acto banal. Tal como é banal lidarmos com
fotografias, nos media, nos álbuns, nos computadores. Seja de coisas e lugares
desconhecidos, de recordações de gentes e locais, de nós mesmos. Haverá mesmo,
como me foi confessado em conversa informal, quem as rasgue por não gostar do
que si nelas via. Aquela memória não a queria!
Mas,
as mais das vezes, não nos apercebemos que a fotografia não é universal, nem
geográfica, nem culturalmente e, importante da mesma forma, nem economicamente.
Eles
eram dois.
Com
um ar sujo e um olhar acossado, que lhes dava uma maturidade que em nada
correspondia à sua juventude de 16 e 15 anos. A nossa comunicação foi
francamente difícil, que de Búlgaro nada sei e eles de português menos que
nada. No final, acabámos por falar em inglês, que o de um deles ainda dava para
tal, ainda que igualmente muito fraco.
Pois
quando souberam que as fotografias eram grátis – palavra quase universal – não
resistiram e quiseram fazer. Questionados sobre se queriam uma dos dois ou duas
individuais, optaram pelas segundas, que sempre seriam duas fotos que levariam.
Depois
de as fazermos, de as receberem e de preenchido o inquérito, conversaram um
pouco entre eles e quiseram fazer outra, agora em conjunto. Disse-lhes que não,
que grátis seria apenas uma e que as seguintes seriam pagas. Á falta de
dinheiro, recorreram a argumentos, alguns engenhosos e com o recurso à ajuda
divina, mas fiquei na minha. É assim que funciono e as excepções têm que ser
muito bem justificadas, o que não era o caso.
E
afastaram-se ali para o lado, para a relva, com os seus odores bem fortes, com
os seus sacos maltrapilhos e os seus sorrisos de meninos-homens.
Passado
um pouco, e porque havia pouca gente pelo jardim, reparo neles de novo.
Deitados na relva, de barriga para o ar e a cabeça assente na bagagem,
entretinham-se a observar as fotografias recém feitas. Mais de perto, mais de
longe, vendo, apontando e mostrando ao companheiro os detalhes, deles mesmos ou
da paisagem.
Pela
forma como as viam e como, mais tarde, as guardaram nos sacos informes, aquelas
fotografias eram quase como que um tesoiro, imprevisto e precioso. E quando,
mais tarde ainda, e depois de terem ali dormido a sesta, um à vez por
segurança, a forma como passaram por mim ao partirem e se despediram apenas
reforçou a minha certeza: a importância daqueles papeis coloridos que levavam
nos sacos. Junto com a sujidade, a evidente fome e aqueles olhares – imberbes -
que os colocam numa vivência que desconhecemos de perto. Nós, que lidamos como
a fotografia como eles com restos e moedas de cêntimo.
Esta
imagem que vos mostro foi feita quando eles repousavam na relva, vendo as
fotografias. Aperceberam-se do retirar da DSLR do saco e do apontar a 400mm e,
sem hesitar, “fizeram-se à fotografia”. Não era esta que eu queria fazer, que
preferia tê-los a ver as fotos.
Mas
talvez assim seja melhor. Para estes sem abrigo certo a menos de uns milhares
de quilómetros, a descontracção na relva e o respectivo registo seria uma
invasão da sua privacidade, que não têm. E vieram espreitar a uma janela
inexistente, da sua casa sem paredes, para ficarem na janela do meu
enquadramento burguês.
E,
como costumo dizer em tom de brincadeira mas cada vez mais a sério, não sei
quem, neste negócio de fotografias grátis, fica a ganhar: Se quem as leva se
quem as faz.
(Nota
extra: factos, texto e fotografia remontam a 2007. Mas bem que poderiam ser de ontem,
à tardinha.)
By me
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