quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Os céus e os infernos
Não sei o que deuses e demónios têm andado a inventar. Mas, por vezes, portam-se bem!
Era domingo. O sol tinha dado por findo o dia de trabalho, e a electricidade fazia-lhe as vezes. E, por ser o dia que era e a hora que era, os autocarros escasseavam.
Este em que seguia tinha parado anormalmente a meio da avenida. E, em querendo abandonar a paragem, logo se imobilizou uns dez metros à frente, num semáforo. Que, em ficando verde, logo provocou o som característico do destravar do veículo.
Entenda-se que tudo isto, porque corriqueiro, nos passa ao lado, que são sons e luzes e movimentos a que já nem prestamos atenção. Mas desta feita…
Andou talvez um metro o autocarro. E logo se imobilizou, com alguma suavidade, que ainda não tinha ganho balanço. Para surpresa nossa, ou pelo menos para surpresa de quem prestou atenção, a porta da frente abriu-se, obediente ao comando do motorista.
E por ela entrou uma senhora. O seu tom de pele e o seu tom de voz bem que denotavam a sua origem africana. O tom do seu cabelo, que rivalizava com o meu, indicava a idade avançada que tinha, acentuada pela dificuldade em andar. Que em nada era facilitado pelo peso dos dois sacos de serapilheira que transportava.
Pois a senhora subiu o degrau do autocarro, deu dois passos e encostou-se a um dos varões metálicos, logo ali na entrada. E com a voz meio comida e atrapalhada pelo arfar da corrida, proferiu tão alto quanto pôde, que todos a ouvimos:
“Obrigada! Que Deus o abençoe e guarde!”
Ganhou ela fôlego e deu mais dois ou três passos para um banco vazio, onde se sentou.
Aí, e só aí, se ouviu o silvo do fechar a porta, o ruído do destravar o carro e se sentiu o retomar a marcha.
Não sei se deuses e demónios têm céus e infernos diferenciados por profissões. Sei que o purgatório é, certamente para motoristas, a hora de ponta citadina ao volante.
Mas se houver um paraíso para maquinistas, guarda-freios e motoristas de autocarro, este acabara de ganhar um lugar. Garantido!
Texto e imagem: by me
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