sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O frio e a distância



O ar está frio. A brisa, de feição, é suave com laivos de agreste. E traz-me, de longe, sons que não gosto de ouvir.
Vindos da serra da Carregueira, aqui a uns quilómetros em linha recta, os estampidos de armas de fogo militares, que as tropas ali aquarteladas estão em treinos.
Enquanto o televisor, em casa, vai passando as imagens e sons desta campanha eleitoral, que além de baixo nível redunda na demonstração prática de o povo português entender que alguém, uma vez eleito, é para ser reeleito contra ventos e marés, sons de uma campanha eleitoral onde uns quantos malbarataram os dinheiros públicos, sabendo, de antemão, que nunca teriam possibilidade de, sequer, chegarem a uma segunda volta, lá longe os militares treinam-se naquilo que é mais horrendo na espécie humana: matar o seu semelhante.
E fazem-no porque lhes pagamos para isso. Pagamos os prés, os equipamentos, os consumíveis, as compras duvidosas e as armas que desaparecem. E pagamos para que uns quantos, de quando em vez, partam para missões lá longe, onde a desgraça grassa mas o petróleo e o xadrez mandam mais alto. Que zonas há onde as mortandades, a ferro e fogo, de barriga vazia e de contaminações epidémicas são tão ou maiores que nos Balcãs ou no Médio Oriente.
E, nesta campanha eleitoral, que não segui atentamente mas em que fui obrigado a ouvir alguns petardos, nunca ouvi nenhum falar numa efectiva redução das despesas com militares, gente e equipamentos. E todos eles se candidatam ao cargo de chefia máxima das forças armadas.
Mas o único desassossego que se aceita nos quartéis é das manobras, com fogo real ou não.
E, enquanto oiço o disparar de armas reais sobre alvos de faz-de-conta, a mesma brisa fria traz-me o som de uma ambulância, tripulada por voluntários, que pede passagem para levar algum doente para um hospital. Um trajecto que será, junto com os exames, análises e demais actos médico, cobrado em tom de moderação a quem luta todos os dias para sobreviver com os escassos recursos que tem.
Esta brisa fria com laivos de agreste vem gelar ainda mais a minha alma e diminuir a vontade que tenho de existir nesta sociedade de aparências e supérfluos!
No próximo domingo irei votar. Enquanto aqui viver faço questão de ser interveniente no que aqui acontece. Estou certo que votarei não no melhor mas sim no menos mau. Mas a minha vontade de partir e bater com a porta é cada vez maior. Talvez que para a Patagónia.


Texto: by me
Imagem: in google maps

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