“…
Alçou
o padre uma cruz de pau, da fraqueza fez força, e brandindo-a sobre as
presenças que se lhe configuravam como a sexta legião dos demónios, entrou a
exorcisar, com altos e trémulos brados:
-
Abjurgo ab te Serpens imundíssima…
Mas
uma personagem que, muito perto, na primeira fila, o olhava complacente,
cabeçorra enorme e rugada levemente descaída, as garras sobre os joelhos
pontudos, a cauda negligentemente tombada entre os pés disformes e escamados,
meio escondida pelas dobras da capa fulva, interrompeu-o com blandícia:
-
Ts, ts,ts, meu amigo, deixemo-nos disso, sim?
O
padre perfilou-se, assombrado, incapaz de resistir àquela solicitação serena e
ficou hirto, a olhar, sem pinga de sangue.
A
figura voltou ligeiramente a cabeça e chamou, para trás:
-
Eh, lá, tu, aí em baixo, chega-te cá!
Um
ser fulgurante, de feição sorridente e amplas barbas brancas, irradiando paz e
bondade, levantou-se e caminhou pela nave, os dedos dos pés mal aflorando o
lajedo. Chegado perto da personagem que o havia solicitado, curvou-se um pouco
e ficou a aguardar.
-
Então durante todos estes séculos persuadiste estes pobres seres de que eras um
deus único? – admoestou e estranha figura, com um profundo suspiro. E, após,
designando o frade com um ligeiro aceno:
-
Bom, leva lá este para o teu céu, ou lá como se chama, e procura-me depois, que
temos contas a ajustar…”
Se
gostaram deste texto, o livro de onde foi retirado tem muito, mas muito mais
para vos deliciar: “A inaudita guerra da avenida gago Coutinho”, de Mário de
Carvalho, edições rolim. A não perder.
Quanto
à fotografia… desculpem mas não pude resistir.
By me
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