quinta-feira, 8 de maio de 2014

O jardim



Vários já foram os que me perguntaram (e alguns outros que o não fizeram mas que o pensaram, sei-o) sobre o motivo de, tendo eu o ofício que tenho, me dedicar à fotografia e não à imagem animada.
A pergunta fi-la eu, faz muito tempo, num momento de introspecção criativa. E a conclusão a que cheguei é simples:
A fotografia está algures entre a literatura e o cinema, entre o sonho de cada um e o sonho de um só.
Na literatura, o autor descreve o que quer, nas cores e poses, nos cenários e odores, nos presentes e nos ausentes, deixando ao leitor tudo resto. É a imaginação do leitor que complementa o que está escrito, baseado nas suas próprias experiências. Os livros muito descritivos, que deixam pouco à imaginação, não são os que mais agradam, exactamente por isso.
O cinema, ou vídeo, por seu turno, fazem o oposto. Está lá tudo e o que não está não faz falta. A imaginação de quem assiste fica reduzida a muito pouco, transformando o que é visto em experiência adquirida no lugar de pistas para novos voos. Mesmo quando é de muito grande qualidade.
A fotografia está algures entre uma coisa e outra. Dá-nos as cores, os lugares, as pessoas, as acções, mas deixa-nos a imaginar o que fica de fora, o que não coube naquele enquadramento, naquele momento registado. Tenho para mim que uma boa fotografia, para além de nos encher a alma, nos desperta a curiosidade sobre o que não está contado.
E se outros motivos não existissem, o factor tempo é vital. Na imagem animada, cada pedaço de acção tem o tempo que o seu autor definiu. Não tem o espectador oportunidade de nele pensar, já que atrás de uma imagem vem outra, atrás de uma acção vem outra, atrás de uma emoção vem outra e ainda outra. O tempo para respirar, para degustar, para sonhar, é o definido pelo autor, restando ao espectador usufruir passivamente do que lhe é mostrado.
Já a fotografia, estática que é, exibida numa parede ou num álbum, numa revista, livro ou jornal, vista numa galeria ou pantalha, é vista durante o tempo que o espectador entender. Mais lenta ou mais rápida, a imaginação de quem a vê pode voar tão longe quanto quiser, sem que o sonho pessoal seja apressado ou interrompido por uma outra que se lhe suceda.

E é isso que gosto de fazer. Com as imagens que faço, mesmo que associadas a palavras complementares, deixar que quem as vê vá tão longe quanto quiser ou puder. Mais que ser o sonho de alguém, pretendo que possam ser pistas para que cada um consiga construir o seu próprio sonho.

Se o consigo? Talvez que as mais das vezes não. Mas nunca me chateei com quem falha mas tão só com quem não tenta.

By me 

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