domingo, 2 de março de 2014

Em torno de um sapato na chuva



A fotografia é uma ferramenta inventada para controlar o tempo.
Paramo-lo nas fracções de segundo da exposição, capturamo-lo na matéria fotossensível, cercamo-lo na tirania do enquadramento.
Como disse alguém, “Um fotógrafo é um taxidermista do tempo”.
E, como dizia um fabricante, “Para mais tarde recordar”.
Tal como, e sempre que possível, um trabalho jornalístico vem acompanhado de imagens: fotografia ou o seu sucedâneo, cinema ou vídeo.
A fotografia faz-se para mostrar no futuro o presente que vivemos.
Nesta minha série fotográfica a que chamo “Sapatos abandonados”, subverto esta abordagem.
Não é, nunca, o presente fotografado que quero mostrar. Que pouco importante é o momento em que cada imagem é feita.
Aquilo que fotografo e mostro não é o presente mas sim o passado. Aquilo que foram todos e cada um dos sapatos que encontro. Que o que me importa é deduzir, a partir daquilo que é, aquilo que foi.
Imaginar quem os usou, de que modo, em que circunstâncias, quando e com quem… E, apenas por aquilo que vejo p’lo visor, ou ainda antes disso, construir uma historia (ou estória) dos seres humanos, com o que de bom e de mau têm.
Quando fotografo os sapatos abandonados na rua não estou a fotografar aquele presente obturado mas antes o passado não visível. E no lugar de congelar o presente para ser usado no futuro, uso a câmara e o seu registo para viajar no passado.

Só como exemplo, conseguem imaginar o orgulho de quem estreou este sapato ao exibir estes contrastes coloridos?
E se é certo que a beleza e a estética são convenções humanas, variáveis no espaço e no tempo, tal como o tempo por si mesmo, então uma fotografia não é nem bela nem horrenda.
É a interpretação que dela fazemos, o estimular da nossa memória que ela produz, que é belo ou horrendo.

Assim, este sapato não nem bonito nem feio. É o que é e ponto final.

Serão os vossos pensamentos que dele farão algo de que gostem ou não.

By me 

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