Foi
ontem.
Estava
sentado num café, já tinha degustado o bolo, já tinha fotografado o garfo, já
tinha escrito umas tretas em torno disso mesmo e em frente ao computador,
tentava que a rede funcionasse.
Bonitinha,
sem ser uma estampa, aquela mocinha abordou-me.
Tentava
ela vender-me uns relógios de pulso. Apesar de, logo no início, lhe ter dito
que não tencionava comprar nada, ela continuou com a sua abordagem e pôs-me à
frente a caixa que continha um deles.
Gostei
do parlapié dela e dei-lhe algum do meu tempo. E também gostei dos seus olhos,
que eram lindos.
Mas
o gastar dez euros num relógio da treta, principalmente quando não me faz falta
nenhuma, não me convenceram e disse-lho.
Sorriu
e seguiu para outras mesas. E eu fiquei a observar a sua técnica de trabalho,
que merecia ser vista. Incipiente, via-se que não tinha grande experiência
nestas coisas de vendas na rua e nos cafés, tinha potencial e simpatia.
Quando
acabou aquela mesa onde três idosas, naturalmente, não quiseram comprar o relógio
nem o estojo de lápis e canetas infantis, e tornou a passar por mim, não
resisti:
Interrompendo-lhe
a marcha, convidei-a a sentar-se um nico, que não aceitou. E, com ela de pé e
comigo sentado, propus-lhe um negócio alternativo: talvez eu lhe comprasse um
relógio se ela me deixasse fotografar-lhe os olhos.
Ficou
meia atrapalhada e eu ajudei, dizendo-lhe que seria lá fora, em acabando eu e
ela o que estávamos a fazer. Anuiu.
Já
no exterior, tive tempo de fumar todo um cigarrinho, enquanto ela fazia p’la
vida lá dentro. E, quando saiu, conversámos.
Quis
eu ver o relógio e confirmar preço: era um relógio por dez euros, com oferta de
um segundo. Ainda pior do que eu tinha imaginado.
Tentei
reajustar a coisa: eu dava-lhe cinco euros por um, sem oferta. Que não, disse,
que aquilo não era dela e tinha que ser assim.
E
fiquei com a sensação que a venda assim seria para que, em se avariando ao fim
de duas semanas o primeiro, se pudesse usar o segundo por outro tanto. Não
acedi.
Mas
insisti na fotografia, usando agora eu as minhas técnicas e eventual charme
para a convencer. Nada feito.
O
negócio seria os relógios p’la fotografia, disse ela, e não havendo os
primeiros não haveria o segundo.
E
afastou-se, fazendo virar a cabeça a quem passava. Que, não sendo uma estampa,
estava ataviada para o parecer. E tinha uns olhos lindos, daqueles que dizem
mais do que a boca se atreve.
Quedei-me
um pouco ali, no meio da rua, a pensar. Afinal, ainda bem que assim fora. Que não
havia eu quebrado um hábito velho de anos: não pagar para fotografar.
Já
tenho feito trocas: por conversa, por um cigarro pedido, até por um café
oferecido. Agora envolvendo dinheiro… Isso nunca.
Porque,
saiba-se, as coisas boas da vida fazem-se devagarinho e são de borla.
Quanto
à fotografia, como se deduz não é a da mocinha de ontem.
É
uma das primeiríssimas deste meu projecto, que celebrou há uns dias sete anos.
By me
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