quinta-feira, 16 de junho de 2011

Boca seca



Para os que não sabem, sempre fica aqui a informação:
Boca seca é um boca de incêndio que não contêm água. Existe ligada a um sistema de canalização de emergência no interior de edifícios, em regra de grande porte, e o seu objectivo é permitir que os carros de combate a incêndios possam injectar água por essa canalização e fazê-la chegar ao topo do prédio sem que se tenham que esticar mangueiras até ao cimo. As mais das vezes, quando é usada, é em situações de falta de pressão de água na canalização normal. Daquelas coisas que esperamos sempre que nunca venham a ser usadas.
E o meu prédio tem colunas secas e uma boca seca, logo na entrada.

Pois foi junto à boca seca do meu prédio que, um destes dias, me cruzei com um vizinho. Ia eu ao café, de câmara pendurada no ombro como de costume, e ele aborda-me.
Pergunta-me ele se eu sou fotógrafo e que havia um trabalho que ele queria que fosse feito. A sua filha viria cá no verão, vinda da sua terra natal, a Ucrânia, e ele gostaria de lhe fazer uns retratos de estúdio.
Disse-lhe que não fazia aquele tipo de trabalho, até porque não tenho estúdio e questionou-me se conhecia quem o fizesse, aqui nas imediações. E lá lhe recomendei um fotógrafo com estúdio. Não o conheço pessoalmente, mas já vi alguns dos seus trabalhos expostos na montra e pareceram-me de qualidade razoável.
Mas ele quis saber mais: se esse fotógrafo depois poderia publicar as fotografias, assim num jornal ou parecido, daquelas que vão a concurso para avaliar da beleza da retratada e ganhar prémios.
Fiquei como na imagem: de boca seca! O que ele, de facto, queria não era ficar com retratos da filha, longe faz tempo. Queria, antes sim, mostrar ao mundo como ela é bonita, mais bonita que todas as outras. E queria um fotógrafo que o mostrasse. Uma espécie de afirmação em que, apesar de se estar longe de casa, ainda se é bom e o melhor. Senão o próprio, pelo menos a descendência!
Entendo o orgulho que os pais têm pelos filhos. Não entendo, ou não aceito, que queiram disso fazer competição, levando-os a competirem com aquilo de que não são responsáveis: a beleza. Até porque, e se se tratar de uma criança, a não vitória será, certamente, uma frustração difícil de sublimar.

Deixei-o e fui ao café, ficando ele com a localização do tal outro fotógrafo. Ficando eu curioso a esperar pelo Verão e pela chegada da filha. Quem sabe se não será, de facto, daquelas figuras de nos deixar mesmo de boca aberta. Como a boca seca do meu prédio.


Texto e imagem: by me

Sem comentários: