sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sinais



Já foi há uns anos e o dia estava farrusco.
O céu cinzento, claro mas cinzento, tinha demonstrado toda a manhã o motivo da sua cor, molhando sem aviso os incautos transeuntes. A juntar a tudo isto, um vento inconstante que, com as suas rajadas, ameaçava arrancar-me o chapéu da cabeça.
O caminho era o do costume, entre a casa e a estação, a mente algures lá por cima das nuvens, uma mão segurando o cigarro, a outra tentando manter a cabeça coberta. Os pés seguiam, compassadamente, o trajecto mais que sabido, evitando poças de água de profundidade desconhecida.
Eis senão quando, ao dobrar de uma esquina, fiquei cego. Enfim, talvez não cego, mas ofuscado certamente. Nada mais conseguia ver que não apenas aquilo onde os olhos se prenderam: Uma garota, dos seus vinte e muitos anos, que subia a rua no passeio oposto.

Se não lhe tivesse visto o rosto, nada teria acontecido. Não possuía um corpo escultural, não tinha um andar especialmente provocante e não estava vestida de forma mais vistosa ou atraente que qualquer outra na rua, no bairro ou na cidade.
Mas o seu rosto, de tão suave, sereno e perfeito, transformava aquela figura quase banal em algo fora de série, obrigando-nos a parar e admirar aquela visão fugaz.
Lá admirar, admirei eu. Agora parar é que não. E esse foi o meu erro!
Os meus pés, se bem que bons conhecedores do caminho, não possuem visão própria, pelo que estavam em piloto automático. E sem radar.
E conduziram-me em rota de colisão, súbita e violenta, com um inocente poste de sinalização automóvel. E com o qual demonstrei, sem margem para dúvidas ou erros, as leis da acção e reacção. A cabeçada que lhe dei foi tão intensa que me obrigou a dar dois passos atrás, sem norte e com uns impropérios pouco dignificantes.

Aquele rosto elfico, tal como o resto que o suportava, não se apercebeu do episódio, seguindo o seu caminho. Mas as gargalhadas que ouvi de outros passantes, fizeram eco das que eu próprio proferi, passada que foi a surpresa da situação.
Aquele rosto, não sei se o tornarei a ver. Agora o poste, essa garanto eu, não mais saberá a velocidade a eu me desloco a pé!

Texto e imagem: by me

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