terça-feira, 21 de setembro de 2010

Desígnios


Um destes dias o nosso presidente da república, Aníbal Cavaco Silva, afirmou que a educação é o desígnio nacional.
Caramba, como esta afirmação me incomoda! E por duas ordens de razão!
Por um lado, a educação por si só não conduz a coisa nenhuma. Não adianta ter uma formidável educação para depois não ter como a usar. Ou seja, cada vez mais se aposta em educação superior, em cursos vocacionados para serviços e promovidos por universidades de vão de escada e os seus finalistas chegam ao mundo do trabalho não tendo como aplicar aquilo que aprenderam. Mais grave ainda, sendo a sua maioria não vocacionados para a produção de bens, cada vez mais produziremos menos ou, se quiserem, cada vez mais estaremos dependentes daquilo que teremos que ir comprar fora do país se quisermos comer, construir, ler, etc. Teremos um montão de gente formada em turismo, gestão, direito, puericultura, economia, história, filosofia, mas não teremos engenheiros de construção, de electrónica, farmacêuticos, médicos, agrónomos, químicos, veterinários… gente cujos conhecimentos permitiriam que a agricultura, as fábricas, a produção animal funcionasse. Donde, para quê apostar na educação, ou fazer dela um desígnio nacional, se o seu resultado mais empobrecerá que enriquecerá o país?
Mas eu diria mais: esse insistir na educação, preferencialmente superior, é um disparate absoluto!
Nem todos os jovens têm capacidade de entender ou aprender abstracções. E boa parte do ensino superior passa por abstracções. O que acaba por resultar em que aqueles que não conseguirem singrar nesse tipo de educação, mas sendo que é ela considerada a ideal, serão pessoas frustradas, com a auto-estima bem por baixo, já que acabam por se considerar (ou serem consideradas) como pessoas de segunda categoria, rotuladas de incapazes, roídas de inveja para com aqueles que, nada tendo feito para isso, conseguem completar tais cursos.
Indo mais longe ainda, eu diria que a educação só por si, sem comida na mesa, sem um tecto por cima da cabeça, sem acesso à saúde e à justiça, sem uma sociedade equilibrada e em paz, é completamente inútil. Cada um destes factores, bem como outros, são os constituintes para a felicidade. E esta sim, será o desígnio nacional: que os seus cidadãos sejam felizes!
E a felicidade não passa, em exclusivo, pela satisfação das necessidades básicas ao ser animal que somos. Passa por estarmos de bem com a vida e com os outros, passa por podermos fazer aquilo que nos dá prazer e não apenas o que nos dá dinheiro. E isto não depende da educação formal ou académica.

Mas o discurso do nosso presidente incomoda-me, e muito, por um outro motivo: o uso do termo e conceito de educação.
O conceito de educar ou ser educado implica a aplicação sobre o educando de formas e conceitos definidos pelos educadores. Com os métodos dos educadores. Com conteúdos balizados pelos educadores. E, no final da educação, teremos educandos que mais não são que a continuação dos educadores, gente que, no lugar de procurar novos rumos, ideias, soluções, se mantém arreigada à educação que lhe foi dada, imposta.
O avanço da sociedade, seja qual for o seu rumo mas passando pela felicidade dos seus elementos, passa forçosamente pela capacidade inovar, de conceber novos horizontes para si e os seus e aproveitar o passado para não cometer os mesmos erros. Passa mais por aprender que por ser educado.
O sistema educativo (e não de aprendizagem) que temos, porque padronizado, porque formatado em objectivos de competência adquiridas iguais às dos educadores e subordinadas a estatísticas nacionais, pouca margem de manobra deixa a que os educandos definam os seus próprios rumos e aprendam o que desejam de entre os conhecimentos que lhes podem ser postos à disposição.

Senhor Aníbal Cavaco Silva: parece que o senhor é um especialista em economia (ainda que eu não o tenha ainda constatado). Mas não queira o senhor impor aos seus concidadãos a sua própria forma de ver o mundo e deixe que, a par com as questões materiais, possam os portugueses encontrar a sua satisfação pessoal, condições básicas à felicidade.
E se o senhor não entende que a felicidade de cada um e de todos é, isso sim, o desígnio nacional, então o senhor está a ocupar um cargo para o qual não está habilitado.

Texto e imagem: by me

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