sábado, 11 de setembro de 2010

Cumplicidades


Há mais de uma trintena de anos que existem cumplicidades entre mim e a Estrada de Benfica. Cumplicidades photográphicas, entre outras, já que ao longo dela, ou pelo menos de metade dela, são inúmeras as referências que nesta área tenho.
Começando por quem entra na Cidade por ela, temos à esquerda o Bairro das Pedralvas. Nele residiu por muitos anos um companheiro, amigo e mestre. Foram alguns milhares de metros de película que expusemos juntos; umas centenas largas de quilos de equipamento que transportámos; um incontável número de horas de conversas, discussões e projectos que partilhámos; tudo entremeado por uns quantos tonéis de bom vinho.
Se mais não aprendi com ele foi porque não soube ou não quis. E vou-lhe sentindo a falta, nos tempos que correm.

De volta à Estrada, temos mais à frente e à direita a Av. Grão Vasco. Mais ou menos na sua metade, incrustada num edifício cuja traça era, na sua época, modernista, uma loja de fotografia. Não lhe sei o nome mas os seus clientes-alvo eram os habitantes do bairro, fornecendo-lhes trabalhos de laboratório de qualidade um pouco acima da média.
Mas o que lá me fazia ir era o que tinha exposto nos escaparates ou guardado nas gavetas e armários. Fazia questão de ter artigos de fabricantes não muito comuns, pelo menos por cá, com peças difíceis, senão impossíveis, de encontrar noutros locais. Recordo de lá ter comprado o pára-sol e filtro de protecção para o meu fotómetro spotmeter Pentax. Ainda tenho os três, em perfeito estado.
Fechou a loja e o que se vê pelos vidros é uma tristeza.

De volta ao trilho original – a Estrada de Benfica – sei da existência de um fotógrafo uns trezentos metros depois da Igreja. Dele não me recordo, mas contou-me quem ali viveu até se casar, já trintão, que sempre foi ali que fez as fotografias para a escola, as fotografias para o passe, as fotografias para os BIs…
Seria uma loja pequena, de fachada modesta, que nunca me chamou a atenção. Hoje, se por ela procurarmos, não a encontramos. Talvez que seja aquela de telemóveis, ou aqueloutra de oculista, símbolos indiscutíveis das evoluções tecnológicas e do envelhecimento das populações residentes.

Um pouco mais à frente, temos um cruzamento. Um cruzamento importante na circulação viária do bairro em geral e da Estrada de Benfica em particular. O lado esquerdo começa a Av. Do Uruguai. E, na esquina, ficam as Galerias Uruguai. Um arremedo de centro comercial, destinado ao comércio local e que, como não poderia deixar de ser na época, tinha uma loja de fotografia.
No caso concreto, vendia mesmo e quase que exclusivamente fotografias, que os eu negócio de base era a revelação e impressão, usando um minilab. Aliás, era esse o nome da loja: “Minilab”. Espreitei-lhe a montra uma ou duas vezes, mas nunca me seduziu. Não me recordo de lá ter entrado.
E fechou, na linha dos pequenos negócios mal calculados.

Do outro lado do cruzamento começa a Av. Gomes Pereira. E, a meio dela, outro centro comercial: “Centro Comercial Santa Cruz de Benfica”. E no seu interior, aí sim, uma referência fotográfica em Lisboa. A loja do D’Artagnan.
Não creio que fosse esse o seu nome e nunca tive o atrevimento de o dizer na sua presença. Creio, antes sim, que a alcunha adviria da forma como tinha a barba e o bigode aparados, um pouco em linha com o que imaginamos que as figuras de Dumas usariam.
O seu negócio era equipamento fotográfico usado. Também o tinha novo, uns rolos, lâmpadas e assim, mas o grosso era usado. E ainda que o espaço fosse exíguo, de cada vez que lá entrava sentia-me como um petiz numa loja de doces coloridos.
Foi lá que comprei uns chassis de película rígida para a minha Linhof 9X12; Foi lá que comprei um raro carregador 6X9 120 para a minha Linhof Teknica 70; Foi lá que encontrei uns muito mais que raros chassis 6,5X9, também para a Teknica… Para já não falar em adaptadores de filtros improváveis, pára-sois incomuns e outras minudências que, não sendo vitais, iam ajudando nos trabalhos que ia fazendo.
Fechou o D’Artagnan e fechou o centro comercial.

Voltando costas ao que fechou e retomando o fio à meada, em passando um pouco o quartel de bombeiros, agora desactivado e substituído por um outro bem mais moderno junto ao Colombo, temos um fotógrafo.
A loja dá pelo nome de “Estúdio Matos” e a sua montra exibe algumas fotografias de noivas e de crianças, bonitas de ver. Nunca me fez inveja, já que nunca quis entrar neste ramo da fotografia. Mas o que me liga a esta loja é ter tido um parente do seu dono como aluno. E, pelo que lhe recordo, até que tinha jeitinho para a coisa. Uma questão de genes, suponho.
Tal como suponho que, se não estiver à frente do negócio, será uma das pessoas que continua a fotografar nubentes e pimpolhos, para mais tarde recordar.

Já perto do fim da “minha metade” da Estrada de Benfica, encontramos o Centro Comercial Fonte Nova.
Referência incontornável na zona, local muito “in” durante algum tempo, chegou a ter três lojas de fotografia em simultâneo. E em duas delas cheguei a fazer bons negócios, sendo que o último primou pelo caricato:
Tinham eles na montra uma objectiva que me interessava para a minha Pentax Digital Reflex K100D. Entrei, perguntei pelo artigo, pedi para fazer uns testes ali mesmo na loja, que levava a câmara comigo, pedi para que, do cartão de memória, me imprimissem algumas para tirar teimas, fiquei satisfeito e fechámos o negócio.
No final a mocinha (típica “menina-do-shoping”) ofereceu-me três rolos fotográficos. Fiquei a olhar para eles e exibi-lhe a minha câmara digital. Insistiu ela na oferta e eu tentei explicar-lhe que, por muito que tentasse, nunca os conseguiria usar naquela câmara. Ripostou-me ela que nunca se sabia, que talvez um dia me desse jeito… Creio que ainda os tenho por aí guardados.
E, das três lojas deste centro, resta uma, bem colocada junto a uma das entradas. Com o tipo de fotografia que se vai fazendo nos tempos que correm, não sei bem como sobrevive, mas está lá.

Falta, nesta minha cumplicidade com a Estrada de Benfica, uma referência, um pouco mais atrás: uma loja de objectos em segunda mão. Tem de tudo ela, de electrodomésticos a computadores, de instrumentos musicais a relógios, também passando por fotografia, eventualmente.
Não é artigo que apareça muito neste tipo de comércio, mas já ali tive a sorte de encontra pechinchas a que não resisti. É uma questão de sorte.

Se outras cumplicidades não tivesse com Benfica, a fotografia seria uma amarra suficientemente forte para me deixar ligado a este bairro para sempre.


Texto e imagem: by me

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