Devo confessar que
tenho uma séria aversão a falar de regras de composição em acções de formação
de vídeo ou fotografia. E quanto mais simples forem as respectivas regras
mais escrúpulos tenho e para mais
tarde as adio.
Isto porque as
sensibilidades não são todas iguais e o recurso a regras, como a regra de ouro,
acaba por ser para alguns uma “muleta sacro-santa”, impedindo-os de sentirem ou
usarem outras formas de gerir os elementos dentro do enquadramento.
Prefiro assim
falar de regras mais tarde, quando as questões de linhas, pontos, espaço próprio
e ar, equilíbrios de massas e interesses já forem algo com que os formandos
lidam com algum à-vontade.
Foi este o caso,
também, com aquele grupo.
Tratava-se de
adultos, de idades muito variáveis e cujos interesses também o eram. E o
objectivo da acção era, mais que preparar “fotógrafos”, permitir que aquelas
pessoas tivessem “ferramentas” e competências para tirarem prazer das
fotografias familiares e de férias. Nada mais e com a maior das informalidades.
O próprio conceito da acção baseava-se na partilha e não em pagamento, tendo
assumido um nome genérico de “trocas fotográficas”.
Num desses encontros,
como sempre num jardim público, o tema que levava preparado era a gestão do
espaço do enquadramento e a colocação do ou dos centros de interesse.
Levei de casa uma
boa trintena de livros, de reportagem a moda, de paisagem a publicidade, de nus
a retratos, de clássicos a experimentalistas, do séc. XIX ao séc. XXI. O mais
variado possível.
E, assim que nos
encontrámos, pedi-lhes que vissem os livros de acordo com o que mais lhes
conviesse e que, de três ou quatro, escolhessem e anotassem as quatro ou cinco
que mais gostassem de cada um. Sem mais indicações.
Só depois disso
lhes falei da proporção dourada, da sua história, motivos culturais e aplicação
nas artes, fotografia incluída. E eles, em regressando às imagens escolhidas,
constataram que tal se aplica a boa parte delas, mas não a todas. Tratariam de
seguida, na parte prática, de o aplicar (ou não).
Entre os presentes
estava um casal com dois filhos. A mais velhinha, talvez que com uns oito ou
nove anitos, ia-se integrado nas actividades à sua medida, tanto pelo gosto,
que já levava uma câmara, como pela imitação natural da idade.
Quando ela se
chegou à mesa para escolher um livro para ver, a mãe foi peremptória: “Esse não!
Qualquer um menos esse!”
Olhei, claro, para
ver de que se tratava, e ela acrescentou qualquer coisa como isto:
“Na tua idade, prefiro
que vejas estes de nus que esse de guerra e corpos estraçalhados.”
Senti-me
particularmente orgulhoso e satisfeito por ter aquela senhora entre os
formandos.
Com aquela noção
pedagógica e certezas sobre as diferenças entre o belo e o horrendo, o natural
e o obsceno. E de como nem sempre a forma justifica ou se sobrepõe ao conteúdo.
Tudo isto a
propósito de como estão a ser banalizadas as imagens sobre o drama dos
refugiados na Europa.
De tantas e tão
chocantes e obscenas que são, de tão divulgadas e partilhadas, tornaram e
tornam a morte e o sofrimento alheio em algo banal ou quase.
Transformadas, bem
mais que alerta ou despertar de consciências, em garantias de tiragens ou audiências
nos media, ou em troféus ou declarações ao estilo de “vejam como sou sensível!”
nas redes sociais.
By me
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