quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Fotografias obscenas



Devo confessar que tenho uma séria aversão a falar de regras de composição em acções de formação de vídeo ou fotografia. E quanto mais simples forem as respectivas regras mais escrúpulos tenho e para mais tarde as adio.
Isto porque as sensibilidades não são todas iguais e o recurso a regras, como a regra de ouro, acaba por ser para alguns uma “muleta sacro-santa”, impedindo-os de sentirem ou usarem outras formas de gerir os elementos dentro do enquadramento.
Prefiro assim falar de regras mais tarde, quando as questões de linhas, pontos, espaço próprio e ar, equilíbrios de massas e interesses já forem algo com que os formandos lidam com algum à-vontade.
Foi este o caso, também, com aquele grupo.
Tratava-se de adultos, de idades muito variáveis e cujos interesses também o eram. E o objectivo da acção era, mais que preparar “fotógrafos”, permitir que aquelas pessoas tivessem “ferramentas” e competências para tirarem prazer das fotografias familiares e de férias. Nada mais e com a maior das informalidades. O próprio conceito da acção baseava-se na partilha e não em pagamento, tendo assumido um nome genérico de “trocas fotográficas”.
Num desses encontros, como sempre num jardim público, o tema que levava preparado era a gestão do espaço do enquadramento e a colocação do ou dos centros de interesse.
Levei de casa uma boa trintena de livros, de reportagem a moda, de paisagem a publicidade, de nus a retratos, de clássicos a experimentalistas, do séc. XIX ao séc. XXI. O mais variado possível.
E, assim que nos encontrámos, pedi-lhes que vissem os livros de acordo com o que mais lhes conviesse e que, de três ou quatro, escolhessem e anotassem as quatro ou cinco que mais gostassem de cada um. Sem mais indicações.
Só depois disso lhes falei da proporção dourada, da sua história, motivos culturais e aplicação nas artes, fotografia incluída. E eles, em regressando às imagens escolhidas, constataram que tal se aplica a boa parte delas, mas não a todas. Tratariam de seguida, na parte prática, de o aplicar (ou não).

Entre os presentes estava um casal com dois filhos. A mais velhinha, talvez que com uns oito ou nove anitos, ia-se integrado nas actividades à sua medida, tanto pelo gosto, que já levava uma câmara, como pela imitação natural da idade.
Quando ela se chegou à mesa para escolher um livro para ver, a mãe foi peremptória: “Esse não! Qualquer um menos esse!”
Olhei, claro, para ver de que se tratava, e ela acrescentou qualquer coisa como isto:
“Na tua idade, prefiro que vejas estes de nus que esse de guerra e corpos estraçalhados.”

Senti-me particularmente orgulhoso e satisfeito por ter aquela senhora entre os formandos.
Com aquela noção pedagógica e certezas sobre as diferenças entre o belo e o horrendo, o natural e o obsceno. E de como nem sempre a forma justifica ou se sobrepõe ao conteúdo.

Tudo isto a propósito de como estão a ser banalizadas as imagens sobre o drama dos refugiados na Europa.
De tantas e tão chocantes e obscenas que são, de tão divulgadas e partilhadas, tornaram e tornam a morte e o sofrimento alheio em algo banal ou quase.

Transformadas, bem mais que alerta ou despertar de consciências, em garantias de tiragens ou audiências nos media, ou em troféus ou declarações ao estilo de “vejam como sou sensível!” nas redes sociais.

By me 

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