quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Azias



Tinha acabado de almoçar.
Ainda me sobravam uns minutos antes de regressar ao local escuro onde trabalho pelo que me deixei ficar sentado onde estava. E, não tendo melhor que fazer, observei com alguma atenção a lata de refrigerante que me acompanhara as pataniscas.
Gosto desta bebida, mas nunca se me tinha despertado a curiosidade sobre ela. Nem sabia o que seja um “guaraná”, ainda suspeite tratar-se de um fruto. Ainda está por responder.
Porque, conforme os meus olhos percorreram o exterior da lata, apercebi-me estar escrita em quatro línguas: português (como se esperava), castelhano (o mercado espanhol é grande e está mesmo aqui ao lado), polaco (coisa estranha e de todo insuspeita) e hebreu. E foi aqui que “a porca torceu o rabo” e o almoço se me revoltou no estômago.
Que eu estivera a beber exactamente o mesmo tipo de refrigerante, e feito no mesmo local, que aqueles que ocuparam um território onde não viviam, decretaram regras não consentâneas com os naturais do local, expulsaram-nos pela força, pela fé, pela fome, e que ainda hoje os maltratam a torto e a direito. Baseados em leis que criaram especificamente para proteger os “invasores” recusando direitos básicos aos invadidos.
E se me vierem falar da ancestralidade do direito à terra prometida (por um qualquer deus que só eles reconhecem), fará sentido encolhermos o rabinho e zarparmos, se surgir por aqui alguém a reclamar a posse da terra, falando em latim e com uma loba pela trela.

Tão cedo não sei se voltarei a beber disto, que passou a fazer-me azia.


Nota fotográfica adicional: adoro a alvura e neutralidade dos guardanapos de papel, quando os usamos como reflectores de emergência.

By me

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