segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O retrato da mocinha



Eu estava sentado num dos bancos de jardim. Em fundo, ia ouvindo a banda a tocar a e voz a cantar.
Tinha um sentimento muito específico para ilustrar, tinha a frase-chave que daria origem ao resto do texto, e sabia razoavelmente bem que imagem queria.
E estava de câmara na cara, enquadramento feito, à espera que as condições de transeuntes se propiciassem, aguardando pacientemente que alguns passassem onde eu os queria e nenhum estivesse onde eu os não queria. Cedo ou tarde isso aconteceria.
De súbito o visor ficou negro. Vazio. Tapado. Baixei a câmara, abri o olho fechado e, com cara de espanto, tentei perceber o que tinha acontecido.
Uma mocinha, talvez que com 16 ou 17 anos, estava muito sorridente e a menos de um metro de mim, a olhar para onde tinha estado a objectiva.
“Ah, desculpe! É que queria ficar no retrato”, disse brincalhona.
“E é que ficas mesmo”, retorqui, alinhando. “Espera!”
E ela correu para o banco a seguir, fazendo poses, ora coquetes e provocadoras, ora sérias e pensativas.
Depois de ter feito umas três ou quatro, disse-lhe que se aproximasse, levantei-me e fiz-lhe dois retratos só de rosto e cabelo, que a luz estava bonita, vinda de lá como eu gosto. E ainda antes que pudesse pedir-lhe que ficasse quieta, que queria fotografar-lhe só os olhos, ela aproximou-se de novo e confessou-me em sussurro:
“Sabe: estou um bocadinho bêbeda.”
Senti então o hálito a vinho, barato pareceu-me. Mas não me dei por achado: fiz o que queria, que ela colaborou mas não muito estável nas pernas bamboleantes e, no fim, perguntei-lhe a sua graça, como sempre. Que a minha câmara é muito mal-educada e dá número às pessoas e isso é coisa que elas não são.
Riu-se, disse-mo, e seguiu para junto dos amigos que, à distância, seguiam o episódio. E foram à sua vida, enquanto eu anotava o nome e voltava ao que estivera a fazer.

As fotografias estão ali, ainda no cartão da câmara. Ficarão mais tarde guardadas nos arquivos, dentro da pasta do dia respectivo, numa pasta genérica intitulada “originais”. Nunca apago nenhum original, seja lá pelo que for.
Agora mostrar os olhos ou o retrato desta mocinha que anda com os copos pelos jardins a brincar saudavelmente com quem está… Isso não faço.
Ficam, em alternativa, com o que acontecia um pouco ali ao lado e que nos enchia agradavelmente os ouvidos:

Uma banda e uma voz tocando e cantando temas em Inglês. O saxofonista era bom.

By me 

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