Imaginemos uma
situação em que o Sol está na linha do horizonte, parcialmente cortado por umas
colinas e umas árvores.
Gosto do que vejo
e fotografo-o.
Mas quem vir esta
imagem ficará a querer saber se se trata de um nascer ou de um pôr-do-sol. Que
a maioria das pessoas, em vendo uma fotografia, querem saber estas coisas.
E a maioria
pensará que se trata de um nascer do sol. Mas haverá quem pense tratar-se de um
pôr-do-sol. Muitos, mesmo.
Isto dependente de
quem o pensa e de quem o vê. Quem vive, por exemplo, em Barcelona, Rio de
Janeiro ou Londres, está habituado a ver o sol pôr-se em terra e nascer no mar,
já que o têm a leste. Já a maioria dos portugueses está habituado a que o sol
se ponha no mar, que fica a oeste.
Como farei, então,
para que seja inequívoca a fotografia?
Posso começar por
uma questão subjectiva e subtil: as cores.
Se der ênfase aos
laranjas será entendido como um fim de dia, se der ênfase aos azuis, um início
de dia. Isto porque o que altera a cor do sol quando baixo no horizonte são as
particulas que existem na atmosfera e a temperatura. De manhã existe menos
poluição (fumos de escapes, poeiras, água) e a temperatura é menor, ao
contrário do fim do dia.
Esta alteração
cromática pode ser dada na calibração da câmara, com filtros ópticos na
objectiva ou mesmo na pós-produção, num qualquer editor de imagem.
Mas posso usar de
outros subtilezas, como seja o local, na imagem, onde o sol é visível. Se na
esquerda, se na direita.
Se na esquerda e
em baixo, tem todo o espaço acima e à direita livre, indicando o que ainda irá
percorrer, subindo nos céus. Início do dia. Se na direita e em baixo, com toda
a esquerda livre, mostrarei o que já percorreu, tudo aquilo que já desceu e que
se está a ir embora. Fim do dia.
Claro está que
esta interpretação só é válida na nossa cultura ocidental, em que as leituras
se fazem da esquerda para a direita. Noutro povos e zonas, em que a escrita e
leitura é inversa, a interpretação será a oposta, pese embora, com a
globalização da comunicação, já não seja tão verdade assim.
E posso usar de
outras subtilezas para diferenciar o nascer do pôr-do-sol.
Imaginemos que
coloco em primeiro plano, para compor a imagem e em silhueta, alguém com uma
bebida na mão.
Se se tratar de
uma chávena fumegante, café ou chá por exemplo, entenderemos que se trata do
início do dia, após uma noite fria e longa, em que apetece o conforto de uma
bebida quente.
Mas se for um copo
ou cálice de uma bebida alcoólica (vinho, cerveja, brandy) já a interpretação
será a de fim de dia, que é raro o consumo destas bebidas ao raiar da aurora.
São estas pequenas
subtilezas, estas “manipulações” de “escrita” e leitura, que fazem a diferença
na “estória” que queremos contar e na forma como queremos que seja lida. São
estes pequenos pensamentos “criativos” que fazem com que uma imagem
(fotografia, cinema, vídeo) tenha ou não sucesso junto do respectivo público.
E tudo isto vem a
propósito de uma frase feita, que já estou mesmo cansado de a usar e de me
ouvir dizer: Se eu souber o porquê, saberei o como.
Se soubermos que
história queremos contar, que sentimentos queremos exprimir, o que queremos
provocar em quem vê o nosso trabalho, tudo o resto se facilita, bastando
aplicar as técnicas constantes em inúmeros livros e manuais, incluindo o da
câmara.
Então, podereis
perguntar, e esta fotografia foi feita num nascer ou num pôr-do-sol?
Bem, isso seria
difícil de dizer. Que num dia de chuva continua e de céu sempre carregado, não
o vejo para o colocar numa linha de horizonte. E, no fundo de um túnel, onde me
é permitido fumar um cigarrito, mais difícil é ver o horizonte.
Já os cigarros,
consumo-os de dia ou de noite, nos seus inícios ou fins, sem me preocupar em
nada com subtilezas, códigos ou semióticas. Basta que me apeteça, tal e qual
como em fotografia.
By me
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