É uma daquelas
coisas que os bichos têm: marcam território.
Alguns, muitos,
usam o odor para o marcar, urinando, defecando, esfregando-se. Outros marcam-no
com arranhões das garras nas árvores. Alguns chegam mesmo a usar penas ou
folhas para isso.
O bicho-homem
também é bicho. Mas foi bem mais longe que os outros bichos.
Inventou marcos de
pedra, que perpetuam a marcação e o direito de pose. Elaborou representações do
território e definiu as pertenças, chamando a isto mapas. Jogou com cores e
formas e exibiu-as ao vento. E juntou tudo isto, muitas vezes demarcando o
território com o sangue de quem não entende porque o derrama, e chamou-lhe
país, com a justificação da língua, da religião e da cultura.
Numa escala bem
mais pequena, quase individual, o bicho-homem faz o mesmo. Marca as leiras de
terra que cultiva, põe portas e grades no buraco que habita e chama-lhe casa. É
seu e dos seus e é inviolável.
Mas vai mais longe
o bicho-homem, na demarcação do território a que chama de casa. Querendo-o bem
definido, diferente dos outros, pinta-o e decora-o com ferros e flores, com
vidros formatados de acordo com os gostos do “dono” ou da moda. E dá-lhe uma
identidade única, inconfundível no meio de muitos milhões de outras casas ou
lares. Chama-lhe de morada, usando para tal complexos códigos de símbolos
elaborados com letras e números. No país tal, cidade tal, rua tal, número tal,
andar tal, vive Fulano de Tal, no espaço ou território a que chama de seu.
Sou bicho-homem
mas não sou defensor do conceito de posse ou domínio do território. Mais ainda,
entendo por disparate as lutas pelo território, as mais das vezes decretadas
por quem já possui muito de seu e que não dará o corpo ao manifesto nas frentes
de batalha.
Defendo, antes
sim, o lema cigano: “O Céu é o meu tecto, a Terra a minha pátria, a Liberdade a
minha religião”.
Por tudo isto, vou
marcando o território por onde passo, com a efemeridade de um pedaço de pano à
laia de bandeira colorida mas sem símbolos, fazendo o respectivo registo. Por
onde passo é meu, sempre e apenas enquanto lá estou. Assim que me afaste, outro
que o demarque, durante tanto tempo e com o mesmo ênfase que eu.
Um dia, espero,
poder marcar território em Alfa-Centauro. Ou do outro lado do globo,
rigorosamente naquele ponto que está mais distante daquele onde agora me
encontro. Flutuando entre duas ondas.
By me
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