segunda-feira, 3 de março de 2014

Um olhar - Rebeca



Cruzou-se comigo nas escadas de acesso ao cais do comboio. E atirou-me, enquanto eu descia a caminho de um café que matasse o tempo, um “Dê-me um cigarro!”
Não dei. Não gostei do tom de imposição. E ripostei-lhe com um “Faz favor, sim!?”
Quando voltei ao cais, lá estava ela. Com mais dois amigos, da mesma classe etária: jovens adolescentes. Brincadeiras próprias da idade, com corridas e perseguições, intercaladas com jogos de amor entre o amigo e a amiga.
Apesar disso, não perdiam oportunidade de fazer o que faziam todo o dia: tentar vender um “Borda d’água” a algum passante ou, em alternativa, pedir uma moedinha. E, mesmo que os não tivesse visto a “trabalhar” – melhor, “as”, que ele apenas supervisionava a função – as suas conversas em romeno e o elas terem a mala atravessada a tiracolo não dava azo a enganos.
A bordo da carruagem que partilhámos, continuaram com o que faziam: o parzinho nos jogos próprios, em que ele demonstrava a afirmação de virilidade com algumas agressões versão soft, ela a pedir uma moeda a quem estava sentado.
Não devem fazer grande negócio, que a jovialidade, brincadeira e boa disposição deles não se coaduna com a eventual vontade de fazer uma doação ou negócio.
Calhou descermos na mesma estação, ainda em Lisboa. Eu, que ía em busca de lugar onde escrever, eles em fuga do revisor que se aproximava na composição.
Já na gare, acendi eu um cigarro. E ela insistiu, desta feita corrigindo o erro: “Dê-me um cigarro, faz favor.”
Não resisti! Apesar da idade, o ela ter aprendido valia o cigarro e propus o negócio do costume: em troca de uma fotografia.
A modéstia sobreveio. Primeiro a negação, depois a inquirição (costumo dizer que gosto de fotografar olhos bonitos), depois a lisonja e o amor-próprio venceram e aceitou.
Mas, ainda assim, creio que o grande surpreendido fui eu. Que, apesar de jovens, apesar de há dez anos em Portugal - que perguntei - apesar de estarem a pedir aos incautos, o sentido de negócio não ficou de parte. E, ao estender a mão para recolher o cigarro, não se coibiu e disse: “Dois cigarros. São dois olhos!”
Não o fizemos dessa forma, que tenho normas mais ou menos rígidas no quanto conseguem enrolar-me. Mas que achei graça, lá isso achei.
E bem mais graça quando ele, percebendo qual o meu ramo, me propôs um outro negócio: eu fotografava os olhos dele e dava-lhe um euro.
Claro que nada feito. Gosto de regatear uma fotografia, mas o mote dou-o eu.
Agora que estávamos bem uns para os outros, lá isso estávamos.
Com sorte, talvez que ela venha a ver esta imagem e que se convença, tal como lho disse depois de feita, que ficariam muito mais bonitos se não estivessem estragados com pintura.
Mas vá lá convencer-se uma adolescente de tal coisa!


By me

Sem comentários: