Quando
eu morrer não serei relembrado, certamente, como um tipo de bom feitio. Ainda
que procure ser afável quando tudo corre bem, se me incomodam ou se me sinto
atingido, reajo nem sempre da forma mais previsível ou agradável.
Foi
no Jardim da Estrela, há uns quatro anos. A tarde corria bem, o dia estava
bonito, toda a gente parecia estar de bem com a vida. A única excepção fora uma
das idosas, habituées do espaço, a queixar-se de todos os bancos estarem
ocupados, para ouvirem aquela “porcaria de música clássica”. Tratava-se,
entenda-se, de um concerto de Jazz, ali, ao vivo e de borla, como as minhas
fotografias. Mas, pondo este comentário de parte, tudo estava a correr pelo
melhor.
A
certa altura surgem duas mocinhas. Vieram direitas a mim, sabendo do preço que
cobro, e quiseram fazer uma foto. Vinham com a boa disposição própria da sua
adolescência, de ser final de férias, de estarem de regresso de uma temporada
de praia e novos amigos e estarem, de volta a casa, a reencontrarem os velhos
amigos. Típico de um domingo, inicio de Setembro, com óptimo tempo.
No
final, ao verem-se no papel, reagiram como de costume nestas idades, variando
apenas nos apodos com que se mimosearam. No caso, um “Que nojo!”, normal para
quem ainda não encontrou o equilíbrio consigo mesmo. Mas, quando lhes disse que
se não gostassem da fotografia, não a levavam, riram-se a bom rir e fugiram com
ela.
Tudo
pelo melhor! Para todos os intervenientes!
Passado
um pedaço, uma hora talvez, hei-las de volta. Desta feita com uma amiga, com
quem queriam repetir a função. Mas, enquanto trocávamos umas graçolas, uma
delas, qual Luky Luke da Estrela, saca do telemóvel, interrompe a conversa
comigo e saúda o seu interlocutor. E, sem mais explicações, zarpam as três para
longe. Suponho que ao encontro de quem quer que estivesse do outro lado da
antena.
Não
gostei! Não gostei nem um pouco! Esta mania de que quando o telefone toca tudo
pára, tudo se interrompe, incomoda-me de sobremaneira. Quase que me transforma
num louco furioso! É que, afinal, a vida é bem mais que os telemóveis, as
fotografias, os computadores, as músicas ou o que quer que seja. O mais
importante nela é mesmo aquele ou aqueles com quem estamos e desrespeitá-los
assim é bem pior que um insulto ou agressão. Pelo menos eu não gosto!
Uns
vinte minutos depois, bem medidos, regressam. Acompanhadas as três por dois
amigos, vieram interromper a conversa que eu mesmo estava a ter com uma já
conhecida daquelas paragens, ainda que oriunda do outro lado do globo. E se eu
não tinha gostado que a conversa anterior tivesse sido interrompida por um
telemóvel, também não gostei de ser interrompido em directo, aquando de uma
conversa ao vivo. Não gostei mesmo nada!
Tal
como ela não gostou de ouvir, na sequência do seu “Quero agora fazer a
fotografia!” o meu “Não!”, seguido de “”Não gostei que tivesses interrompido a
conversa por causa do telemóvel; não gostei que tivesses interrompido a minha
conversa com esta senhora só porque chegaste. Não faço a fotografia!”
Estranhou,
insistiu e eu insisti: “As fotografias aqui são grátis porque eu quero. E esta
fotografia eu não faço! Talvez que assim aprendas qualquer coisa de boa
educação!”
Fez
beicinho, bateu o pé em tom de birra, deu meia volta que nem um recruta na
parada e, agarrando na mão de uma das amigas, afastou-se a trotar. Com o resto
do bando a olhar para mim e para ela e a seguir-lhe os passos.
A
senhora que comigo falava, do alto do seu metro e meio, sorriu, acenou que sim
e traduziu para a amiga a conversa. Suponho que tenha sido factual, que eu de
indiano nada sei. Sei, isso sim, que a companheira sorriu também e acenou que
sim igualmente. E, após mais umas banalidades sobre o assunto, o tempo e a
música que se iria ali escutar, afastaram-se para usufruir, prazenteiramente, o
resto daquele domingo saboroso.
Quando
morrer certamente que ninguém dirá: “Aqui jaz um tipo de bom feitio.” Mas,
caramba, nessa altura também não estarei por cá para ouvir e retorquir. Espero,
no entanto, que esta mocinha, agora mal-educada, continue por cá por muito
tempo e com melhores atitudes para com os outros. Se assim for, valerá a pena o
que de mim disserem!
By me