domingo, 15 de junho de 2008

Play it again, Sam!


Nos tempos que se seguiram à revolução de Abril, por entre o que de bom aconteceu, coisas houve não muito recomendáveis, más mesmo.
Uma delas foi a necessidade sentida de vingança. Vingança sobre os esbirros do regime, sobre as figuras públicas e de estado e sobre os colaboracionistas, informadores e outros de menor calibre que, com os seus actos, iam mantendo o sistema repressivo.
Sendo um país de brandos costumes, estas vinganças não passaram por pesadas penas de prisão, pelo rapar de cabelos e, naturalmente, também não pelos pelotões de fuzilamento. Apenas fugiram ou foram expulsos do país ou empresas.
Nestas, a identificação dos elementos a expulsar (sanear como então se dizia) era feito pelos comités de trabalhadores, em tribunais improvisados de empresa ou sector laboral, onde as acusações eram feitas e os veredictos rápidos e de braço no ar.
Acontece que nem todas as empresas ou serviços tinham gente assumidamente afectas ao regime deposto. Mas, se a limpeza não fosse feita, se não se apresentassem culpados e punidos, corria-se o risco de as empresas ou serviços serem acusados de escamotearem os fascistas e os seus elementos receberem o mesmo apodo.
Assim, por todo o lado se faziam saneamentos, justos ou não, promovidos por gente de movimentos clandestinos anteriormente ou por aqueles que, aproveitando a ocasião, se faziam passar por tal. A estes, alguns denunciados, chamavam de “vira-casacas”.
Naqueles locais onde não havia possibilidade de apresentar culpas concretas, as votações “divergiam levemente” daquilo que hoje entendemos por processos democráticos: para que o resultado desse em culpado e haver o consequente saneamento, havia quem somasse os votos de culpabilidade com as abstenções, obtendo assim um valor numérico superior ao dos votos de inocência. E o saneamento acontecia, com as consequências que se pode imaginar para os que eram alvo de semelhante distorção das regras. E para gáudio dos agitadores políticos que, um pouco por toda a parte existiam, a descoberto ou nem tanto.
Mas a ignorância não era tanta assim, tal como não era a incapacidade de discernimento de muitos dos que estavam envolvidos nas votações. Mas clamar contra a injustiça era complicado, pois corria-se o risco de ser o próximo a ser votado para saneamento por colaboracionista ou informador da terrífica polícia política extinta. Alguns houve que não se calaram e pagaram caro, bem como as respectivas famílias, a coragem de defender inocentes!
A justiça e a injustiça andavam de mãos dadas, nem sempre primando pela transparência!

Vem este recordar os tempos de então a propósito do que está a acontecer com a ratificação do Tratado de Lisboa.
As regras da União Europeia dizem, muito claramente, que um tratado para entrar em vigor tem que ser ratificado por todos os estados membros. Seja a ratificação por plebiscito ou por decisão parlamentar, isso já é questão nacional, mas o conjunto das nações tem que aprovar unanimidade.
E, tal como aconteceu em 2005, desta feita também um país recusou os termos do Tratado em causa, tendo por consequência, a impossibilidade de o pôr em prática.
Mas os políticos dos maiores países já vão dizendo, discretamente ou nem por isso, que não é bem assim, que a vontade expressa pelos Irlandeses não é bem para cumprir e que, ou bem que eles mudam de opinião usando seja que método for, ou bem que podem começar a considerar uma saída da União Europeia.
Ou seja: Regras são regras, mas umas vezes são assim, outras são assado, dependendo de quem age ou manifesta discordância e do seu peso na economia europeia. Foi o caso de, há três anos, a França e a Holanda, terem dito que não ao Tratado de então e ele ter morrido logo ali, sem mesmo alguns outros países como Portugal se darem ao trabalho de o ratificarem, com ou sem plebiscito.
Será que esta atitude tem algo a ver com o conceito de “País Periférico”?
Ou será que a União Europeia é uma democracia, mas quem manda são apenas alguns?

As atitudes e declarações dos políticos europeus, agora surpreendidos com o voto popular, são de tal forma que parecem estar a passar um atestado de incapacidade aos seus eleitores, dizendo que estes nada sabem do que lhes interessa e que o melhor é mesmo deixa-los fora destas decisões.
Pouco falta para juntar, de novo, abstenções com os expressos num ou noutro sentido para se obter o resultado previamente decidido por uns quantos iluminados.
Até que subam ao candeeiro que os ilumina, pelo pescoço!

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