segunda-feira, 23 de junho de 2008

Em torno de comentários a fotografias


Ao longo dos anos, tenho sido alvo de vários pedidos para integrar, como jurado, concursos de fotografia. Tenho recusado sempre.
Os motivos para tal são de vária ordem, cujas respectivas importâncias têm variado com o tempo, bem como a ordem como actuam sobre mim.
Tentarei, de seguida, explica-las, sendo que a sua sequência não define nenhuma ordem de importância.

Não sou bom fotógrafo!
Com boa vontade, saberei talvez fazer algumas imagens menos comuns ou que se salientem da maioria. Mas isso não as define como boas e, muito menos, me define como bom fotógrafo!
Também sei quais as regras e as técnicas, actuais ou do passado, usadas no fazer de fotografia. Fotografia de quase todos os estilos e utilizações. Mas o simples saber de como são feitas não implica o saber usar esse conhecimento na produção de imagens. E a sua demonstração está no trabalho sofrível que tenho.
Assim sendo, não sabendo eu fazer boas fotografias, como posso arrojar-me o direito de classificar o trabalho de outros, muitos bem melhores do que eu mesmo sei fazer ou sou capaz de fazer?
Melhor será aplicar-me em melhorar o que faço que dizer bem ou mal dos outros!

Critério de avaliação.
Dizer que uma fotografia é bonita ou boa não basta. É preciso fundamentar tal afirmação e enquadrar o que é dito em critérios objectivos. E estes podem basear-se em conceitos estéticos, em técnicas de execução, no conteúdo, na capacidade de comunicar emoções.
Os conceitos estéticos variam de sobremaneira com o passar dos tempos e o variar da geografia. Uma boa fotografia, feita aqui em Portugal, poderá não o ser no Japão ou no Irão. E vice-versa.
Não creio que haja uma estética universal e transversal ao tempo pelo que avaliar ou classificar fotografias implica contextualizar o trabalho e o autor num tempo e numa cultura. E saber se ele pretenderia ser original dentro de ambos ou manter as linhas em voga, seguindo as modas do pensamento e da criação.
Por outro lado, as técnicas também definem um trabalho fotográfico. Controlo de exposição, de nitidez e focagem, os suportes… Dizer que uma fotografia é boa ou má apenas porque tecnicamente está de acordo com os fabricantes ou com as modas é redutor. A técnica é apenas uma forma de chegar a um trabalho final, em paralelo com o factor estético e com a capacidade de emissão dos sentimentos do autor.
O conteúdo, só por si, também não é factor determinante na avaliação de fotografias. Porquê dizer que a fotografia de uma maçã é melhor, ou pior, que um retrato? E uma paisagem edílica resulta numa melhor ou pior fotografia que uma outra de um massacre de guerra? O que os conteúdos podem provocar, que não a qualidade, são os sentimentos no público. As emoções que eles despertam, face às experiências e memórias que ele, o público tem. E isto não define qualidade. Define empatia, define partilha de experiências e cultura.
Deve-se ainda falar, e na sequencia do ponto anterior, na eficácia da comunicação. Ou seja, até que ponto uma fotografia passa ao público o mesmo tipo, ou semelhante tipo, de mensagem que o autor quis transmitir. Aqui entra de novo o factor cultural, em que a partilha de códigos, de hábitos de interpretação que redunda na semelhança entre o recebido e o expresso. E quando o que é visto resulta em algo interpretável, a satisfação do público existe. E quando esta coincide ou se aproxima da intenção do autor, diz que o trabalho de comunicação foi bem sucedido. E a qualidade de “bom” ou de “mau”, neste caso, é apenas a da eficácia de comunicação, nada mais.

Com base em todos estes factor, torna-se particularmente difícil definir o que é uma boa fotografia e, pior ainda, se esta é melhor ou pior que aquela. Porque, e para além das características intrínsecas de cada uma, as características subjectivas de quem as avaliam são de tal forma importantes que esta avaliação tem tantos resultados possíveis quantos os avaliadores.

Acontece porém, e voltando à minha própria experiência, que tenho sido obrigado a fazer avaliações e classificações de fotografias. No decurso da minha actividade lectiva.
Mas lidar com trabalhos de alunos acaba por ser mais fácil de algum modo. Se, por um lado, os trabalhos apresentados para avaliação são resultado de exercícios mais ou menos definidos e com objectivos também concretos, por outro o conhecer cada autor e as suas potencialidades, bem como o poder conversar com cada um sobre o seu trabalho e comparar o que queria fazer com o que conseguiu fazer simplifica a tarefa de avaliar.
Indo mais longe, em cursos que versem a fotografia, aquilo que se pretende é que os alunos saibam comunicar com este meio, respeitando os códigos estéticos e técnicos em vigor. E mais incentivando a sua criatividade do que avaliando-a.

Assim, e para mim, fazer comentários ou críticas a trabalhos de outros tem sido cada vez mais difícil e pesado na minha própria consciência. Desconhecendo os contextos dos autores, qualquer opinião que possa emitir, para além de se basear no meu próprio mau trabalho nada mais pode exprimir que o meu próprio gosto.
Posso dizer se gosto ou não desta ou daquela imagem, se me transmite este ou aquele sentimento, se eu mesmo a faria da mesma forma ou de qualquer outra. Mas é sempre uma avaliação pessoal, muito pessoal, demasiadamente pessoal para que possa correr o risco de, com ela, vir a influenciar os seus autores. E esta é uma responsabilidade que, cada vez mais, me incomoda.

Se a tudo isto se acrescentar que eu mesmo tenho andado, nos últimos tempos, razoavelmente perdido à procura do meu próprio caminho e cada vez mais frustrado, mas nunca desistindo, com a dificuldade de dar com ele, talvez fique explicado o porquê de, nestes últimos tempos, terem sido cada vez menos frequentes os comentários que tenho vido a deixar nos trabalhos dos utilizadores do Photoblog.
Porque dizer apenas “Gosto” ou “Não gosto” é inútil ou quase; dizer “É bom” ou “É mau” é completamente subjectivo; e colocar seja o que for como comentário apenas para dar a saber que estive ali e que gostaria que viesse também ao meu, bem… não creio que haja outra classificação que não seja egocentrismo.


Em qualquer dos casos, recebi um pedido de quem estimo que emitisse uma opinião sobre uma dada imagem. Que não foi feita por quem a pediu e que, por sinal, foi objecto recente de um ex-Muse, actual de novo POD. ESTA.
Assim, aqui deixo um comentário, competa e exclusivamente sujeito aos meus critérios, sem querer agradar ou desagradar a quem quer que seja.
Trata-se de uma fotografia de que quase gosto muito. E o “quase” prende-se com pequenas ninharias que me incomodam. Mas vejamos:
Gosto da quase tranquilidade que transmite. O local aparenta ser perfeito e tranquilo, a noite mostrada pelo contraste de cores, parece ser amena e convidativa para uma ida àquela praia, que se mostra deserta de cá e de lá do murete.
O problema que vejo está na quase simetria ou equilíbrio, não conseguidos, tanto na vertical como na horizontal.
Incomoda-me o muito ligeiro desnível do mar, quase imperceptível mas que me atrapalha;
Incomoda-me aquela fenda no murete, transformando-o de uma linha recta em duas semi-rectas, dando-me a entender a existência de partes diferentes à esquerda e à direita e não tanto uma praia imensa da qual nos mostram um pedacinho; o mesmo se passa com a sargeta junto a essa fenda;
E incomoda-me a quantidade de céu comparada com a quantidade de areia, de mar, de murete e de passeio visíveis. Se a quantidade de areia, murete e mar visíveis são iguais, a quantidade de passeio desconcerta-me e fico na dúvida se o importante na imagem é o céu ou tudo o resto que está sob ele.
Estas assimetrias provocam-me uma sensação de desconforto, apenas compensado pela placidez e tranquilidade do vazio e pela complementaridade das cores, o clássico “ouro sobre azul”.
Numa interpretação completamente subjectiva, poderia dizer em torno desta imagem, que a natureza, sob a forma dos quatro elementos (céu, mar, terra e fogo - a luz amarela) são perfeitos, mas que é o Homem, com a sua intervenção sobre ela, que a estraga.

Dito isto, e considerando a total subjectividade da opinião, pergunto-me até que ponto a minha leitura terá algo a ver com as intenções do autor. Terá ele visto algum dos meus sentimentos ou apenas se sentiu atraído pelo que viu, na altura da tomada de vista e, mais tarde, quando a editou e escolheu para exibir? Provavelmente pouco ou nada.
E, considerando a falta de alguma qualidade do que vou fazendo, é uma opinião de fraco valor e que, como diz um companheiro de trabalho, “Vale o que vale: vale uma unidade!”

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