sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Se



Se eu não tivesse parado no jardim para fazer uma fotografia; Se eu não tivesse jantado por ali; Se eu não tivesse ficado à conversa com a dona; Se não tivesse ido onde não costumo para comprar cigarros; Se não tivesse sido questionado sobre o onde fica o Largo D. Estefânia; Não teria estado naquele momento naquele semáforo, à espera que ficasse verde.
E o S. não me teria abordado.
Disse-me que é bipolar, que a receita dos comprimidos diários tinha um erro e que teria que voltar ao hospital para ser corrigida e a levar de volta à farmácia, ainda que lhe tivessem vendido a crédito os necessários para o fim de semana.
E disse-me que vinha com um saco de comida ali da carrinha, que não é grande coisa mas que enche o estômago.
Que não bebe, não se droga, não toma café, vive num quarto ali ao Chile, pago metade pela Santa Casa, metade por ele, que lhe custa quase metade da pensão que tem.
Que o único vício que tem são quatro ou cinco cigarrinhos por dia e um prazer que nem sempre pode satisfazer: uma coca-cola.
Sabia os preços nas lojas ainda abertas àquela hora e perguntou-me se o poderia ajudar para uma.
Disse-lhe que viesse comigo.
Fomos onde eu tinha jantado e, quando fui para pagar, perguntou-me a minha amiga, olhando para as duas latas que pedira no balcão: “Deu-lhe a sede, foi?” “É para um amigo que está lá fora”, respondi-lhe.
Enquanto o ajudava a arrumá-las no saco da comida, expliquei-lhe: “É uma para hoje, outra para amanhã”.
“Amanhã não, que isto não pode ser todos os dias. Guardo-a para sábado, talvez que para domingo.”
A firmeza com que a sua mão, saindo daquelas roupas muito coçadas mas limpas, apertou a minha, disse-me muito mais que o seu olhar ou o “obrigado” com que nos despedimos.


À porta do restaurante, a minha amiga assistia com um sorriso. Não sei se saberá que a mãe dela faz o mesmo, ou bem mais, lá dentro do estabelecimento.

By me 

Sem comentários: