Se eu não tivesse
parado no jardim para fazer uma fotografia; Se eu não tivesse jantado por ali; Se
eu não tivesse ficado à conversa com a dona; Se não tivesse ido onde não
costumo para comprar cigarros; Se não tivesse sido questionado sobre o onde
fica o Largo D. Estefânia; Não teria estado naquele momento naquele semáforo, à
espera que ficasse verde.
E o S. não me
teria abordado.
Disse-me que é
bipolar, que a receita dos comprimidos diários tinha um erro e que teria que
voltar ao hospital para ser corrigida e a levar de volta à farmácia, ainda que
lhe tivessem vendido a crédito os necessários para o fim de semana.
E disse-me que
vinha com um saco de comida ali da carrinha, que não é grande coisa mas que
enche o estômago.
Que não bebe, não
se droga, não toma café, vive num quarto ali ao Chile, pago metade pela Santa
Casa, metade por ele, que lhe custa quase metade da pensão que tem.
Que o único vício
que tem são quatro ou cinco cigarrinhos por dia e um prazer que nem sempre pode
satisfazer: uma coca-cola.
Sabia os preços nas
lojas ainda abertas àquela hora e perguntou-me se o poderia ajudar para uma.
Disse-lhe que
viesse comigo.
Fomos onde eu
tinha jantado e, quando fui para pagar, perguntou-me a minha amiga, olhando
para as duas latas que pedira no balcão: “Deu-lhe a sede, foi?” “É para um
amigo que está lá fora”, respondi-lhe.
Enquanto o ajudava
a arrumá-las no saco da comida, expliquei-lhe: “É uma para hoje, outra para
amanhã”.
“Amanhã não, que
isto não pode ser todos os dias. Guardo-a para sábado, talvez que para domingo.”
A firmeza com que
a sua mão, saindo daquelas roupas muito coçadas mas limpas, apertou a minha,
disse-me muito mais que o seu olhar ou o “obrigado” com que nos despedimos.
À porta do
restaurante, a minha amiga assistia com um sorriso. Não sei se saberá que a mãe
dela faz o mesmo, ou bem mais, lá dentro do estabelecimento.
By me
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