sexta-feira, 2 de maio de 2014

Prazeres



Quando eu era pequeno, comer bolos ou doces fora de casa era coisa rara.
Por um lado éramos muitos em casa; por outro o orçamento familiar não era de molde a coexistir com extravagâncias; por fim, não existiam tantos lugares assim, mesmo na grande cidade, que tivessem os doces apetecidos.
Portanto, bolos ou doces fora de casa, só em dia de festa ou pela mão de um parente que tivesse ido sair só com uma ou duas das crianças.
Para além das cores, aromas e paladares apetecidos, havia algo que me deixava encantado: o talher.
Só aquele garfinho especial de bolo, com aquele dente que mais parecia uma minúscula faca, quando colocado à minha frente fazia-me salivar e arregalar os olhos: “Vem aí coisa boa!”

Hoje, é coisa rara de encontrar. Apenas nas chamadas pastelarias finas ou ainda arreigadas a velhas etiquetas as usam. As demais fornecem ao cliente o mesmo garfo que, antes de ser lavado, esteve a acompanhar um bife com ovo a cavalo, regado com uma imperial e rematado com uma torta. O mesmo formato, o mesmo metal barato, o mesmo baixo custo de utensílios.
Um destes dias, numa pastelaria da velha guarda e ao pedir ao balcão um bolo de creme, vi o já idoso empregado a rebuscar a caixa dos talheres mais tempo que o habitual. Rebuscou, rebuscou e, no fim, encolheu os ombros e entregou-me um garfo convencional. Os seus olhos não brilhavam.

Este que aqui vedes, bem como um irmão gémeo que está de fora, foi comprado de propósito para esta ou outra fotografia. Ainda tive que penar um pouco pelas lojas de cutelaria até encontrar. A maioria dos empregados desconhecia-os.
Irá, depois de lavado, para uma daquelas caixas de coisas quase inúteis que por aqui tenho, servindo de troféu. É que ainda consegui comprar dois antes que sejam considerados peça de antiquário!


Nota extra: foi-me difícil fazer esta fotografia, ou melhor, foi-me difícil fazer esta fotografia antes de “atacar” nas trouxas-de-ovos. Mas, como se constata, resisti!

By me

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