Um
dos exercícios que proponho a aprendizes de fotografia (formalmente em escola
ou, ao contrário, fora dela) é muito simples:
Quando
em passeio se deparar com algo que o leve a pensar “Isto vale uma fotografia
daqui”, fazê-la.
Em
seguida, fazer uma segunda. Do mesmo sítio, com a mesma perspectiva e ângulo de
visão (abertura de zoom) e condições de exposição. Com a diferença que, se a
primeira foi feita na horizontal esta será na vertical e vice-versa.
Feito
isto, guardar a câmara e abordar o assunto. Circundá-lo, observar os diversos
fundos possíveis, ver como a luz existente o modela, evidencia ou oculta as
suas partes, verificar os materiais de que é feito e de como estes reagem à
luz, identificar a sua função e de que forma é usado, imaginar como foi feito e
por quem, pôr-lhe as mãos em cima e senti-lo na sua qualidade de material e
naquilo que para além disso esse gesto lhe possa transmitir, entabular conversa
se for caso disso…
E
após gastar estes minutos de volta do assunto, fazer uma terceira fotografia,
como e de onde melhor entender. Mas fazê-la.
E
esquecer o acto fotográfico e continuar o passeio.
Mais
tarde ver, com olhos de ver, as imagens efectuadas.
Comparar
as opções de composição das duas primeiras e de que forma o assunto melhor se
adequa às barreiras castrantes do limite do enquadramento. E comparar a estória
que lhe contam cada uma das três fotografias e qual delas está mais próxima
daquilo que gostaria de ver fotografado. Qual delas lhe agrada mais.
Este
exercício, válido para qualquer nível de conhecimento na imagem, tem um
objectivo primordial sobre os demais possíveis: levar o fotógrafo a pensar
sobre o assunto a fotografar. Habitua-lo a “ver” com os olhos da alma e não
apenas com os da cara.
Com
o passar do tempo, e dependendo do potencial de cada um, este exercício de
“conhecer” torna-se intuitivo e imediato.
Vem
esta conversa a propósito de ter “revisitado”, aqui em casa, um livro de Arnold
Newman.
Conhecido
por todos como um dos mestres do retrato, escolheu ele a área mais difícil da
fotografia. Aquela que tem sempre mais detractores, regra geral os retratados.
É
que, se todas as fotografias em geral têm pelo menos duas interpretações
possíveis (a do fotógrafo e a de cada espectador) no caso do retrato há que
considerar ainda a opinião do retratado.
E
se capturar a luz visível que se reflecte de um objecto é mais ou menos fácil,
já não se pode dizer o mesmo daquela outra luz que emana de alguém, a que se
pode chamar “aura”, “alma” ou qualquer outro nome mais ou menos místico.
A
forma como cada um se projecta para o exterior e para os que o cercam raras
vezes corresponde aos seus sentimentos mais profundos, já que, em regra, os
esconde. Apanhar o interior de alguém nos halógenetos de prata ou nos pixels,
por forma a satisfazer o retratado, o fotógrafo e, ainda assim igualmente, o
público, é tarefa de mestre.
E
é aqui, nesta dificuldade, que se inventou um termo terrível que esconde muitas
incapacidades: a fotogenia.
Diz-se
que algumas pessoas são fotogénicas. E muitas outras afirmam-se
não-fotogénicas, reforçando isto com um “Não fico bem nas fotografias”.
Isto
não tem a ver com feições ou posturas corporais. Depende, e apenas, da
capacidade de o fotógrafo (ou cineasta) ser capaz de ver para além da pele, ser
capaz de ver a tal luz não visível e transpor isso mesmo para o suporte
técnico. Por forma a satisfazer os três intervenientes: fotógrafo, fotografado
e público.
Algumas
pessoas protegem o seu íntimo de tal forma que aquilo que é captado reflecte
apenas aquilo que elas querem que se veja. E ficam satisfeitas. Outras têm essa
protecção em níveis tão baixos que facilmente se passa para além da pele. E há
satisfação.
Mas
aquelas mais complexas, de personalidade mais elaborada e, por vezes,
contraditória, é francamente mais difícil. Cabe ao fotógrafo ultrapassar as
barreiras da personalidade e encontrar um ponto de equilíbrio transmutável em
imagem entre o interior e o exterior. Isto passa, por vezes, por longos
períodos de conversa e de intimidade a vários níveis até ser possível.
Ao
resultado deste trabalho de fotografia, que passa pelo interpretar o assunto e
trabalhar a perspectiva e a luz, dá-se o nome de “fotogenia”. Não depende do
retratado mas do fotógrafo.
Mestres
nesta área dificílima, foram poucos. Arnold Newman foi um deles!
Igor Stravinsky by
Arnold Newman, 1946
Texto by me
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