A
informalidade era total e a conversa caiu sobre a “factura da sorte”. Era o
tema do dia, que a maioria dos presentes não se pronunciava sobre Garcia
Marques ou a posição demarcada dos Capitães de Abril.
A
dado passo, pergunta-me um:
“Olha
lá: tu, que andas p’ra ai a protestar contra isso, que farás se te sair a ti o
carro?”
“Não
é possível, que não me candidatei. Como se imagina.”
“Estás
candidato, sim! Ou não tens água, gás, electricidade ou mesmo comunicações, em
casa? Todos esses serviços emitem factura e todos referem o número de
contribuinte. Estás candidato, sim!”
“E
para não estares em concurso”, disse um outro, “tens que ir ao portal das finanças
dizer que não te candidatas.”
Fiquei
estarrecido! Então estarei em concurso, obrigatoriamente? Naquilo que condeno e
entendo por uma aberração da liberdade? Ter todos os cidadãos a fiscalizar e
denunciar o seu igual? Nem o Salazar disto se lembraria!
E,
assim de impulso e quase sem pensar no que dizia, atirei:
“Pois
se me sair será uma bronca das grandes. Arranjo um amigo que mo conduza a lugar
público, convoco uma conferência de imprensa com um comunicado explicativo e
ali mesmo, em frente às câmaras, destruo-o. Talvez que à marretada, que é bom
para aliviar os nervos. Alguém me quer ajudar?”
Ficaram
a olhar p’ra mim, com aquele olhar que já lhes conheço:
“Pronto!
Lá está ele a divagar de novo. Um dia tem que ser internado.”
Passadas
umas horas e um sono sobre aquela tirada intempestiva, cada vez me agrada mais
a ideia. Apenas presumo que me saia caro, o fazê-lo.
Mas
tal como tenho a promessa feita de contribuir, muito seriamente, para os
bombeiros voluntários da minha freguesia caso me saia o totoloto (neste vou
jogando de quando em vez), também tenciono cumprir esta promessa, assim feita
entre duas garfadas.
Quanto
aos olhares, gosto que aconteçam. Levado a sério ou não, sempre ficam a pensar
um nico no que digo e fica por lá mais um vestígio de revolta. Mais fossemos a
fazê-lo…
By me
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