Normalmente
quando se faz uma fotografia há uma leitura implícita do registado por parte de
quem o regista.
Um
sentimento ou uma mensagem implícita ou explícita. Por vezes será um detalhe
que faz obturar, um instante que provoca o reflexo pavloviano do fotógrafo.
Claro
está que as leituras por parte de quem vê depois a imagem poderão ser tantas
quantas as mentes que a observem. Que cada interpretação - cada pensamento – é consequência
dos estímulos exteriores (a fotografia, neste caso) relacionados com a memórias
e experiências anteriores.
Mas
complicado será quando o próprio autor da imagem vê no que fez variadas e
opostas interpretações.
Esta
fotografia foi feita na manhã deste 25 d’Abril.
Passei-a
no Largo do Carmo e na Rua António Maria Cardoso.
A
quantidade de gente por metro quadrado era assombrosa. Posso calcular, por
alto, que estariam quatro a cinco pessoas por metro, tão apertadas ou quase que
num transporte público em hora de ponta. O que me leva a deduzir que no Largo
do Carmo e ruas adjacentes, tivessem estado qualquer coisa entre sete a nove mil
pessoas. Assombroso, considerando o local e a forma como foram convocadas.
Ainda
que tenha comparecido na qualidade de cidadão, não podia deixar de ir na
qualidade de fotógrafo, mesmo que amador. E fui equipado como de costume para
estas circunstâncias: uma DSLR com uma 70-300 (gosto de fotografar detalhes à
distância, tendo na mochila objectivas mais curtas; e uma câmara de bolso, que
costumo usar para perspectivas superiores.
Não
consegui dar uso de jeito à reflex: a quantidade de gente era tão grande que
quase que não havia como segurar a câmara, quanto mais distância prática para
tal objectiva. Restou-me o recurso à compacta que, usada em cima ou ao nível
dos olhos foi fazendo o que podia.
A
imagem que aqui está foi a última que fiz. De algum modo consegui furar a
multidão que enchia o espaço em frente à antiga sede da polícia política PIDE e
caminhar à frente da velha Chaimime que costuma comparecer nestas datas. Estava
lá eu e mais umas dezenas com câmara, pelo que conseguir ângulo para a 70-300mm
estava fora de questão. Esta foi a possível, a uns dois metros e meio de altura
com recurso ao monopé.
No
momento do disparo tive a certeza que aquela era “A” fotografia do dia. Todas
as outras mais não eram que de multidão, mas esta… simbólica para além dos
limites. E parei com as obturações, sabendo que não faria melhor naquele dia.
Quando,
mais tarde, a vi no ecrã do computador portátil, surgiram-me as dúvidas: “vejo”
eu nela o que vi quando fotografei e “vejo” mais que na altura não senti. E
ainda agora, bem mais de 24 horas depois, continuo a não saber, ao certo, o que
quero dizer com ela, supondo que só quero dizer uma coisa ou mesmo que quero
dizer alguma coisa.
Das
fotografias que fiz nessa manhã mostrei ou publiquei seis. As que mais disseram
ou que mais reacções provocaram referiam a multidão presente. Faz sentido: era
impressionante. Tanto mais impressionante quanto todas as conversas e acções se
suspenderam e todos, num coro que nunca assisti, se uniram para cantar o hino
nacional. Sentido. Do fundo. Possante. As fotografias da multidão mostram isso, de algum
modo.
Mas
esta… esta mostra, direi eu, os dois extremos dos sentimentos que ali levaram aqueles
milhares de pessoas. Sentimentos contraditórios, que não sei se os presentes se
aperceberam de tal. Ou se não passará de impressão minha, eu que ali estive na
qualidade de cidadão a fotografar ou de fotógrafo a exercer a cidadania.
Fica
a proposta – ou o pedido – aos que virem esta imagem e lerem estas linhas:
deixem aqui a leitura que fazem sobre ela. Talvez que existam mais abordagens
que não as minhas.
By me
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