quarta-feira, 23 de abril de 2014

O stencil



Eram folhas de papel encerado.

Com uma área útil igual ao A4, possuíam ainda no topo um acréscimo de papel perfurado que servia para prender no tambor rotativo do policopiador.
Os textos eram ali escritos à máquina, sendo que cada erro tinha que ser tapado com um verniz especial. Tanto um como outro eram roubados na secretaria da escola que os pais de um de nós possuía.
Os tipos da máquina de escrever portátil agrediam a cera na garagem, onde era suposto estarmo-nos a divertir com as actividades normais para rapazes dos 15/17 anos. Na altura eu ainda me ficava pelos 14.
Copiado que estivesse o texto, era a vez do artista do grupo se chegar à frente para que, com um estilete, rasgasse na cera os traços que resultariam nos desenhos previamente criados. Originais ou apenas cópias de algum outro.
Com a folha feita e religiosamente guardada entre cartolinas para que não se estragasse, subíamos então para a secretaria. Como isto acontecia ao fim-de-semana, esta estava vazia, o que nos dava tempo de, a coberto da música dos EP’s ou LP’s da garagem, dar à manivela do stencil e imprimir duas ou três centenas de panfletos.
Distribuíamos o molho entre nós e cada um ficava encarregue de os colocar na sua escola ou liceu.
Uma ocasião fui apanhado por um funcionário do liceu, mas foi inconsequente.

E se não fossem estes panfletos, seriam os do MAEESL (muitas siglas se usavam então e muitas mais nos tempos que se lhe seguiram).
Deste movimento ainda fui assistir a algumas reuniões, algures ali para os lados da Estrela, sempre com sentinelas estrategicamente colocadas, não fossem as forças da autoridade, fardadas ou à civil, irromperem.
Recordo em particular algumas sebentas de textos para a disciplina de ciências que eles editaram. O livro que tinha sido adoptado era particularmente caro, pelo que se fizeram cópias e distribuíram pelos estudantes. Sempre com o risco de sermos apanhados pelas autoridades. Porque nos tinham visto ou porque tínhamos sido denunciados.
É curioso como, no Liceu Padre Antónia Vieira em Lisboa e ao contrário de outros, ninguém foi incomodado com esta sebenta. Até a minha professora tinha uma…

Até que um dia, ao chegar às aulas, nos disseram que não havia, que fossemos para casa, que tudo estava a mudar, que era chegado o dia…


Nota: a máquina era quase igual a esta, cuja fotografia fui surripiar da net.

By me

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