O
meu prédio tem elevador. Aliás, tem três elevadores, que ele é grande e mora cá
muita gente.
Apesar
de prático, por vezes lamento não morar num prédio sem elevador. A minha condição
física agradeceria, bem como a possibilidade de me concentrar sem interrupções
inoportunas.
Era
ainda de manhã, antes das dez, e eu estava naquele conforto epidérmico de nada
ter em cima da pele que não o pelo e os óculos. E estava entretidíssimo de
volta de um texto complicado. As ideias estavam cá, a sua forma é que teimava
em não me brotar dos dedos. Acontece, de quando em vez.
Eis
senão quando toca a campainha da porta.
Não
gosto, raisparta o bicho! Não gosto de ser interrompido quando estou a tentar
organizar ideias.
Nestas
ocasiões costumo desligar o telefone. Ou deixá-lo tocar. Se quiserem, que
deixem recado, que é p’ra isso que existem os “voice-mail”.
Mas
o tocarem a campainha significa que está alguém, fisicamente, ali mesmo do
outro lado. E que, muito naturalmente, ouvirá a música que tenho em casa, mesmo
que baixo. Não atender é sinal de descortesia, coisa de que não gosto, também,
de praticar. E lá fui.
Deixei-me
ficar meio escondido atrás da porta. Não que tenha pudores do corpo. Sou o que
sou e não há que esconder o que quer que seja. Mas sei que a maioria das
pessoas não pensa assim e ficam incomodados quando alguém lhes abre a porta e
lhes aparece assim, Nuzinho da Silva.
Do
outro lado, no patamar, o casalinho jovem sorriu ao perceber a situação. Mas não
desarmaram e avançaram com o que ali os trazia: uma mensagem bíblica qualquer,
que haviam por força impingir aos que estivessem em casa num dia de semana a
meio da manhã.
Estive
vai-não-vai para recorrer a métodos extremos: dizendo-lhes que não estava
interessado, deixar de parte qualquer resto de civilidade que tivesse
sobrevivido à interrupção de que fora alvo e exibir-me na plenitude do que um
qualquer deus, talvez mesmo o deles, me havia feito e moldado. Não o fiz.
Acabei
por me conter, eivado de uns quaisquer preconceitos civilizacionais.
Fiquei-me
por usar o processo habitual para cortar pela raiz o desenrolar destas
conversas catequistas: “Que professo a religião shintoísta, que nada tem em
comum com as cristãs, e que seria uma conversa inútil.”
Ficaram,
como sempre, à toa. Que não sabem o que seja, mesmo que se trate de uma peta de
todo o tamanho da minha parte. E zarparam com um “Que deus o acompanhe” também
habitual.
Regressei
ao meu texto e estive um bom pedaço a tomar balanço para o continuar.
Mas
fiquei a lamentar morar num prédio grande, com elevadores. Se não os tivesse, não
creio que tantos catequistas, de tantas confissões, subissem tantas escadas por
dia. Que não me interromperiam, p’la certa.
By me
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