Estou na praça do Município, Lisboa, tentando fotografar uma manifestação espontânea em favor do povo Egípcio. Acontece que as câmaras fotográficas e de vídeo eram quase mais que os manifestantes, pelo que deixei que a minha atenção discorresse sobre o que de mais acontecia por ali.
E sou abordado por um daqueles que em tempos se chamavam pedintes ou vagabundos (eram categorias diferentes) e a que hoje chamamos, muito politicamente correctos, de “Sem abrigo”.
Pede-me ele um cigarro, que dou, e trocamos meia dúzia de banalidades. Até que lhe pergunto se lhe posso fazer um retrato.
Não consigo fotografar gente sem lho pedir. Caramba! Apesar da época em que vivemos, a privacidade ainda existe e faço muita questão em a respeitar. E quanto mais complicada for a aparente vida do fotografado, mais escrúpulos tenho.
Pois o Zé (chamemos-lhe assim) consente mas, e no seu falar confuso e atabalhoado, faz questão que ele, o retrato, seja feito só quando ele disser. E acabou de mastigar, com os poucos dentes que lhe restam, o que me pareceu ser um queque ou bolo de arroz. Pôs o cigarro apagado na boca, enfrentou-me e disse que agora podia ser.
E este seu olhar, fixo em mim e no meu olho tecnológico, por um momento breve transfigurou-se!
Deixou de ser o Zé coberto de andrajos rotos e imundos, cuja fala mal se percebe e em que os bolsos estão cheios dos seus tesoiros (papeis velhos, bilhetes de cinema e de autocarro usados, um livro de contos infantis, um isqueiro Zippo como o meu…).
Este olhar brevíssimo falou-me de uma escola que frequentou, de uma família que teve, de uma mulher que amou, de um ofício que praticou… E fotografou-me. E tão rápido como veio assim se foi. Como o meu obturador fotográfico. Que assim que o ouviu regressou ao Zé do casaco roto, das migalhas na barba e olhar errante.
E não tive coragem de ir mais fundo naquele olhar, de o registar como habitualmente. Que não somos peças na montra de uma loja, à disposição de quem passa.
Desta feita o meu “Um olhar – “ ficou-se por aqui.
Texto e imagem: by me
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