Não se trata de nenhum fetiche esconso e inconfesso. Apenas entendo que sapatos jogados fora contam bem mais que outras peças de roupa.
De um casaco, camisa ou calças caídos na rua pouco consigo imaginar sobre os seus donos anteriores, Quer estejam perto ou longe de um contentor de lixo. Agora calçado…
Sapatos só se jogam fora quando já não têm recuperação possível. Mesmo aqueles que fazem questão de andar à moda sabem que se para o ano já não se usa talvez daqui a uns três ou quatro volte a estar na berra. E os sapatos, botas ou chinelos guardam-se.
Quanto às peças de roupa, se jogadas fora, tanto pode ser por estarem estragadas sem remédio ou por o seu dono ter crescido para além das medidas, na vertical como é suposto, ou na horizontal como se desgosta.
Em qualquer dos casos, em encontrado calçado abandonado, fotografo-o, sendo que já vou tendo uma colecção razoável, de todos os tipos, formatos e utilizações.
Pois um destes dias, estava eu lá no bairro, disposto a fotografar mais uns exemplares e esperava que uns quantos transeuntes passassem entre mim e o local onde jaziam os sapatos.
Uma senhora, aí dos seus sessentas bem medidos, fez-me sinal para eu fazer o que tinha a fazer, que ela esperaria. Quando retomou o caminho, aproximou-se e perguntou-me:
“Anda a fotografar o lixo da Tapada?”
A minha figura, de facto, não é das mais discretas e o meu apontar de objectiva também não é o que há de mais comum, pelo que ela já me deveria ter visto por ali. Mas sempre lhe disse que não era bem isso que se passava, que morava por ali e que ia fotografando o que me dava na veneta.
Nem me deixou acabar o discurso. Em tom exaltado, recomendou-me que fosse ali, àquela rua nas traseiras do seu prédio, onde o lixo se ia acumulando sem rei nem roque. E que o barulho que ali ia acontecendo também teria que ser fiscalizado.
Fiquei a olhar para ela e para a sua fragilidade e desabafo, e fui-lhe explicando que essa não era a minha função e onde poderia ali por perto – o gabinete do munícipe – fazer tais reclamações.
“Ai é?!” respondeu “Pois não sabia. Mas, de qualquer maneira, não vou lá! Eles é que têm que andar por aí, a ver o que se passa. E, sei lá, se lá fosse os que andam aí afazer essas festas ainda se vingavam… Não, eu não vou!”
Pois é, são estas atitudes de retraimento e de alijar responsabilidades que fazem com que uns quantos ponham e disponham da vida de todos os outros.
E, se bem que os diversos serviços – segurança, higiene, urbanismo, que nós pagamos através dos impostos – devam estar alerta e funcionais, não podemos esperar que esteja em toda a parte e a todo o momento.
É função nossa, enquanto cidadãos, intervir com elogios e divulgações o que temos de bom e denunciar e corrigir o que temos de mau.
Quando não, teremos um pastor, uns quantos cães e a imensidão de ovelhas no rebanho – nós!
E ela lá foi, com o seu saco de compras, tal como eu com o meu saco de fotografia. Com a diferença que, neste, havia com que fazer essas denuncias e divulgações. E refutar a classificação de ovelha, negra ou não!
Texto e imagem: by me
De um casaco, camisa ou calças caídos na rua pouco consigo imaginar sobre os seus donos anteriores, Quer estejam perto ou longe de um contentor de lixo. Agora calçado…
Sapatos só se jogam fora quando já não têm recuperação possível. Mesmo aqueles que fazem questão de andar à moda sabem que se para o ano já não se usa talvez daqui a uns três ou quatro volte a estar na berra. E os sapatos, botas ou chinelos guardam-se.
Quanto às peças de roupa, se jogadas fora, tanto pode ser por estarem estragadas sem remédio ou por o seu dono ter crescido para além das medidas, na vertical como é suposto, ou na horizontal como se desgosta.
Em qualquer dos casos, em encontrado calçado abandonado, fotografo-o, sendo que já vou tendo uma colecção razoável, de todos os tipos, formatos e utilizações.
Pois um destes dias, estava eu lá no bairro, disposto a fotografar mais uns exemplares e esperava que uns quantos transeuntes passassem entre mim e o local onde jaziam os sapatos.
Uma senhora, aí dos seus sessentas bem medidos, fez-me sinal para eu fazer o que tinha a fazer, que ela esperaria. Quando retomou o caminho, aproximou-se e perguntou-me:
“Anda a fotografar o lixo da Tapada?”
A minha figura, de facto, não é das mais discretas e o meu apontar de objectiva também não é o que há de mais comum, pelo que ela já me deveria ter visto por ali. Mas sempre lhe disse que não era bem isso que se passava, que morava por ali e que ia fotografando o que me dava na veneta.
Nem me deixou acabar o discurso. Em tom exaltado, recomendou-me que fosse ali, àquela rua nas traseiras do seu prédio, onde o lixo se ia acumulando sem rei nem roque. E que o barulho que ali ia acontecendo também teria que ser fiscalizado.
Fiquei a olhar para ela e para a sua fragilidade e desabafo, e fui-lhe explicando que essa não era a minha função e onde poderia ali por perto – o gabinete do munícipe – fazer tais reclamações.
“Ai é?!” respondeu “Pois não sabia. Mas, de qualquer maneira, não vou lá! Eles é que têm que andar por aí, a ver o que se passa. E, sei lá, se lá fosse os que andam aí afazer essas festas ainda se vingavam… Não, eu não vou!”
Pois é, são estas atitudes de retraimento e de alijar responsabilidades que fazem com que uns quantos ponham e disponham da vida de todos os outros.
E, se bem que os diversos serviços – segurança, higiene, urbanismo, que nós pagamos através dos impostos – devam estar alerta e funcionais, não podemos esperar que esteja em toda a parte e a todo o momento.
É função nossa, enquanto cidadãos, intervir com elogios e divulgações o que temos de bom e denunciar e corrigir o que temos de mau.
Quando não, teremos um pastor, uns quantos cães e a imensidão de ovelhas no rebanho – nós!
E ela lá foi, com o seu saco de compras, tal como eu com o meu saco de fotografia. Com a diferença que, neste, havia com que fazer essas denuncias e divulgações. E refutar a classificação de ovelha, negra ou não!
Texto e imagem: by me
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