sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Na morte em directo não há regras exactas


Opinião de Eduardo Cintra Torres: Na morte em directo, não há regras exactas


E se a polícia…? E se o tiro…? E se o refém…? E se fosse eu…? Este “e se” é poderosíssimo nas ocasiões de eventos inesperados e chocantes. Atravessa a história das tragédias há milénios. Idem com o debate sobre a exibição de imagens de violência e morte. Ele repete-se com cada novo caso.

Não há regras exactas que ajudem os responsáveis editoriais a decidir se devem mostrar imagens de momentos exactos de morte e de vítimas mortais de acidentes ou de violência. Não há e não pode haver, porque a nossa sensibilidade colectiva evolui e porque as situações variam imenso e há dezenas de factores a tomar em conta: vê-se mesmo o momento da morte? Há sangue? A que distância vemos o acto de morte? Morre criança ou adulto? Morre o “bom” ou o “mau”? Pode descrever-se por palavras mas não mostrar? Pode dar-se o som do tiro mortal mas não mostrá-lo? Pode mostrar-se a morte através de índicios ou símbolos (sangue, um sapato, etc.) mas não a morte ela mesma? Pode mostrar-se a morte em foto mas não em imagens em movimento? Pode reconstituí-la com actores ou em desenhos digitais mas não mostrá-la? Pode mostrar-se o momento antes da morte mas não ele mesmo?

A morte violenta e inesperada vivida em público é tão brutal que se criaram inúmeras convenções sociais, profissionais e até legais sobre a sua mostração. No meu livro A Tragédia Televisiva dediquei um capítulo a este tema e descrevi seis formas diferentes de abordar a morte na televisão.

Não deve haver regras exactas. É preferível e positivo que os jornalistas e os seus leitores e espectadores debatam o tema como o têm feito no PUBLICO.PT. Devem ser os jornalistas a agir consoante a sua consciência e os cidadãos a exprimir a vontade social. Em princípio, desde que se avise os leitores e espectadores de que há imagens chocantes, não se deve restringir a liberdade de informar e de se ser informado (porque neste caso há informação insubstituível nas imagens exactas do fim do sequestro).

Quanto ao directo televisivo, é mesmo assim: o poder enorme do directo é romper com as convenções de toda a gente e de não estar sujeito a censuras, autocensuras, convenções e tabus. A realidade em bruto. Por vezes é brutal.
A liberdade também.



Texto: By Eduardo Cintra Torres, in Público.pt
Imagem: by me

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