O
que eu gosto de fotografia!
Da
fotografia dos outros.
Da
fotografia feita pelos outros!
Comecei
a fazer fotografia publicitária bem cedo. Um convite de um laboratório
farmacêutico levou-me a pedir uma câmara emprestada. Uma MPP, 9x12, velhinha e
em mau estado, mas que deu conta do recado.
Assim
que pude, comprei outra. Desta feita uma Linhoff Cardan Collor. Uma objectiva
150 f/5,6 (Xenar, salvo erro) e dois chassis duplos completavam o conjunto.
Mas
a paixão pelas câmaras view assolou-me. Uma oportunidade única na vida
surgiu-me e comprei uma outra Linhoff, uma Technika 70. Com chassis para película
rígida 6,5x9 e para película 120.
Pude,
assim, partir para a paisagem urbana com as correcções de perspectiva e
profundidade de campo que pretendia. E em versão portátil. E entrar a fundo no
Zone System, já que os chassis 6,5x9 permitiam-me expor e revelar cada negativo
individualmente, controlando assim todo o processo, desde a visualização do
assunto até à impressão final.
Para
tal, tive que comprar um ampliador compatível com este formato. Não foi fácil,
mas lá encontrei um velhinho Meopta Magnifax, com o seu chapéu de fada, que
satisfazia quase todos os requisitos.
Em
conversas orgulhosas sobre este “up-grade”, uma companheira trouxe à baila um
tema interessante: possuía ela uma colecção de negativos de família, alguns bem
antigos. Poderia eu imprimi-los?
Acedi
à proposta, pelo menos para ver de que se tratava. Ela voltou, dias depois com
o material. Uma caixa, maior que de sapatos, repleta de negativos. Muitas
centenas. De todos os formatos, alguns ainda em vidro. Até ao minúsculo 110.
Tarefa
ciclópica que aceitei, sem prazos para cumprir, que aquilo merecia um
tratamento cuidado. E o fazer de algumas peças para aqueles formatos incomuns.
Foi
um prazer digno do Olimpo. Uma por uma, as imagens formavam-se na prancheta do
marginador, em papel 9x12. E positivavam-se nas tinas, sob a luz vermelha. Toda
aquela família estava ali representada, alguns da infância à velhice.
A
dado passo, já os reconhecia em tons invertidos, inventando-lhes nomes e
relações familiares: “Este casou com esta, é irmão daquela e filho do outro…”
Os
trajes, os penteados, os adornos, os veículos, as baixelas e as decorações das
festas e residências, foi pouco menos de um século que viu a luz do meu
ampliador. Outras vivências, outros olhares. Para a objectiva, fugindo da objectiva
ou através dela.
Foi
francamente melhor que qualquer filme dinástico. Os actores eram reais, as
situações nada ficcionadas e os efeitos os da natureza e não os de um técnico
habilidoso.
É
por essas e por outras que gosto de fotografia.
Das
dos outros.
Das
feitas pelos outros.
É
um mundo mais ou menos real, que me é mostrado, nas exposições, nos álbuns de
família, nos livros. Contam-nos como o ser humano vive, na realidade truncada
pelo fotógrafo.
Cada
fotografia que vemos completa-se com a nossa própria memória, colorindo com os
detalhes que não vemos, os sons que não ouvimos. É uma vivência emprestada que
se experimenta ao ver as fotos feitas por outras pessoas.
A
cada fotografia feita por outrem, por muito “amadora” que seja, fico mais
completo.
Muito
mais rico!
Imagem:
roubada da net
Byme