quinta-feira, 31 de março de 2016

Sou ou não sou



Volta e meia oiço – ou leio – sobre casos que conto aqui ou ali:
“Então e não fotografaste? Tu, logo tu, sempre com a câmara contigo, não fotografaste!?”
A frequência com que me vou deparando com esta afirmação/interrogação vai aumentando, à medida que o tempo passa.
Efectivamente, cada vez menos fotografo o que assisto!

Existem em mim dois fotógrafos que se digladiam face às ocorrências: o bio-químico e o foto-mecânico.
Cada vez mais o primeiro tem relutância em deixar o segundo actuar perante a actividade humana. Aquilo que o segundo pode ver e, eventualmente, registar com a sua objectiva é infinitamente menos que aquilo que o primeiro constata.
Os cheiros, os sons, os sentimentos do dia-a-dia são tantos, tão apelativos, tão inebriantes, tão envolventes que, se todos eles passassem para a câmara, nada mais faria. Seria como aqueles turistas que vão de férias e vêm os locais pelo visor, e apenas por ele. Vi alguns assim na Expo98, por exemplo.
Se a magia da fotografia, a grande magia, é o contrair do tempo do antes e do depois para o durante a exposição efectuada, que duração teria uma exposição que englobasse a vida?
Se a fotografia faz parte da minha vida – e faz indubitavelmente – procuro fotografar com os olhos e, em havendo oportunidade, encontrar algo que, de alguma forma, transmita o que vi e/ou senti.
São ícones fotográficos o que vou fazendo, não procurando reproduzir realidade que não apenas a minha realidade. A minha forma de ver a realidade.
A fotografia documento - e as actuais tecnologias cada vez mais o incentivam – retiram-lhe validade. Já perdi a conta das vezes em que, confrontado alguém com fotografias minhas, me perguntou se a tinha trabalhado no photoshop. A credibilidade de uma fotografia, da fotografia, já não existe. Supondo que alguma vez existiu.

Por isso, quando vejo/vivo algo, prefiro gozar esses momentos, “fotografando” na “película” a que chamamos cérebro e guardar para mais tarde a materialização do todo que vi e senti.
Estou em crer que deixei de ser fotógrafo. O que sou? Nem eu sei bem!


Talvez um medíocre espectador com uma ferramenta que não domina.

By me

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