quinta-feira, 30 de abril de 2015

Two ways of life



Publiquei aqui esta imagem há uns dias.
Coloquei-a no contexto de uma discussão/conversa sobre a veracidade de algumas fotografias e provoquei quem a viu a procurar o seu autor, data e demais informação. Aqui fica alguma coisa sobre ela.
Foi produzida em meados dos anos 50 do séc. XIX, por Óscar Gustave Rejlander e tem o nome, ao que sei, de “Two ways of life”.
E não se lhe pode chamar de “fotografia”. Em boa verdade, entendo-a como “imagem fotográfica”.
Esta diferenciação advém do facto de cada uma das figuras humanas que aqui vemos terem sido fotografadas individualmente e posteriormente terem sido essas fotografias justapostas ou sobrepostas, naquilo a que hoje damos o nome de edição, pós-produção ou fotomontagem.
A importância desta imagem, bem como a de tantas outras deste autor e de outros da época (meados do Séc. XIX) prende-se com o que se queria contar e o contexto cultural da altura.
A fotografia ainda era técnica recente, sendo que a comunicação visual se baseava na pintura, gravura, miniaturas, etc. A questão da veracidade da fotografia ainda não se tinha levantado, sendo que se estava ainda no início de uma outra, estéril, e que ainda hoje alimenta algumas conversas: arte ou técnica. Na altura a técnica ainda vencia.
Assim, não sendo prioritário o assegurar a veracidade do mostrado, havendo o hábito de produzir e/ou ver representações pictóricas que, mais que fieis, se preocupavam com o iconografar ideias ou sensações, a fotomontagem era perfeitamente aceitável. Não se esperava que o mostrado fosse uma “cópia da realidade”.
Torna isto esta imagem menos importante ou bela? Nada disso, penso eu!
Foi usada para fazer uma alegoria à vivência humana. Fantasia, baseada em parte nos relatos bíblicos e na moral vigente, procura à boa maneira da pintura, mostrar contar aquilo que se quer contar sem imposições técnicas e sabendo que haverá tempo para a observação e consequentes elacções. Indo mais longe, sabendo que ninguém irá para ela olhar e sentir-se enganado por falsidades factuais. Bem mais importante que o representado é o seu significado.
O tempo passou, as técnicas fotográficas evoluíram e, com elas, a questão da veracidade passou a ser um tema importante: conta a fotografia a verdade dos factos? Pode ela falsear o que aconteceu?
A esmagadora maioria do público que consome fotografia hoje espera ver uma fotografia como uma “cópia da realidade”. Sabemos que não o é, quanto mais não seja porque apenas representa um dos cinco sentidos e é bi-dimensional, no lugar de quadri-dimensional.
Mas o público não espera ser enganado na factualidade do que lhe é mostrado. A menos que…
A menos que, em olhando para um trabalho, encontre pistas, sejam quais forem, que lhe digam que não se trata de uma “fotografia” mas sim de uma “imagem fotográfica”. Por outras palavras, que aquilo que lhe é mostrado não resulta apenas da acção da luz no material foto-sensível, mas sim uma alteração da factualidade, inserindo, acrescentando, inventando ou subvertendo aquilo que a objectiva mostrou.
Trata-se de uma utilização das técnicas fotográficas perfeitamente aceitável, razoavelmente bem interpretadas pelo público e sem enganos e subterfúgios.
Claro que quem produz este tipo de imagens procura, com recurso a todas as técnicas disponíveis, inventar o todo ou parte do que mostra de modo a que se assemelhe no possível a uma “fotografia”.
O problema (se algum) levanta-se na perfeição desse embuste.
Se ele é executado ao limite, não deixando pista alguma sobre o ser uma “imagem” e não uma “fotografia”, em sendo descoberto a questão da criatividade, da “arte”, da capacidade artesanal do seu autor perde-se por completo, sobrevindo apenas o facto de o público ter sido enganado.
Bem divulgados têm sido os casos de “imagens” apresentadas como ”fotografias” e que foram denunciadas e excluídas do contexto pretendido: concursos e imprensa.

Óscar Gustave Rejlander foi um mestre no que fez. Tal como muitos outros, então e agora.
Não apenas na perfeição técnica e estética do que produziram, mas porque não se esqueceram da questão ética, velha de séculos, sobre o que é a “verdade”.
Tenho para mim que uma excelente, ou mesmo boa, “imagem fotográfica” é aquela que nos consegue enganar até certo ponto, deixando-nos pistas para o desengano. As que ultrapassam este limite são embustes, falsidades, mentiras, com as quais não gosto de conviver.

Sugiro que aqueles que se dedicam a fazer “imagens fotográficas” pensem seriamente nisto: se querem ser conhecidos por contarem uma história ou uma estória (real ou ficcionada) ou se aceitam o risco de ficarem com o rótulo de mentirosos. Se preferirem a primeira possibilidade, sugiro que deixem no vosso trabalho pistas, mais evidentes ou não tanto, sobre a “não verdade” do que mostram e o se tratar de “imagens fotográficas”

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