sexta-feira, 17 de abril de 2015

Catita





A Catita era uma pacata jumenta que residia com meus avós, no sul do país. De bom feitio, prestava-se sem grandes protestos aos pouco carregos que lhe eram pedidos ou às raras vezes que tinha que puxar a charrete amarela e vermelha em que os meus avós se deslocavam às aldeias vizinhas em visitas familiares ou a mercados.
Encontrava-a todos os anos quando por lá ia passar as férias de verão.
Rotina diária era ir pôr a Catita ao pasto no final do dia e ir buscá-la de manhãzinha. Ficava ao relento, com umas peias e uma espia numa estaca, dando-lhe um raio de acção de uns 25 metros.
Acompanhava eu o meu avô nessa rotina, orgulhosamente montado na manta de riscas que a cobria. Já conhecia os truques e técnicas, de tanta vez o ver fazer.

Um dia quis ser grande: quis ir buscar a Catita sozinho. Não me queriam deixar, mas tanto pedi e insisti que acabei por levar a minha avante.
Em lá chegando, cometi um erro fatal: retirei-lhe as peias e a espia antes de lhe colocar o cabresto.
Ora a bela da Catita, que até era pachola, apanhou-se livre como nunca e pirou-se. Correu pelo restolho fora, atravessou o pomar vizinho e quase me fugiu de vista.
E digo quase porque não fiquei inerte. Assim que ela desembestou, percebi o que tinha feito, peguei no cabresto e vá de correr atrás dela.
Agora tentem lá correr por cima do restolho e torrões rijos, com um cabresto na mão e a respectiva arreata rojando no chão. Isto tentando igualar a jumenta na corrida.
Dei vários trambolhões em cima daquele restolho aguçado e cortante, mas nunca esmoreci.
Acabei por a apanhar numa vinha próxima, onde a Catita se deliciava com as uvas ainda frescas da madrugada.
Já encabrestada, regressei pelo mesmo caminho a fim de recolher as peias, espia, estaca e manta e voltar para casa.

À chegada, e perante o meu atraso, já meu avô se preparava para me ir buscar, junto ao portão que separava o quintal calcetado da estrada asfaltada.
Em face do meu estado, pouco me foi dito. Os meus calções e camisa rasgados, o peito, braços e pernas escorrendo dos arranhões profundos e o meu olhar cabisbaixo foram castigo mais que suficiente. Isso e a desinfecção que o meu avô, ex-enfermeiro do exercito, tratou de me fazer.
E nunca mais se falou em eu ir buscar a Catita sozinho.

Mas aprendi a lição: Procedimentos de segurança em primeiro lugar.

B yme

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