quarta-feira, 8 de abril de 2015

Estoira-vergas





A conversa era, efectivamente, de má-língua. Em boa verdade, estava-se a ir bem longe no cortar na casaca de alguém, baseado em rumores com origens esconsas e sem que nenhum dos presentes conhecesse pessoalmente o visado. Aliás, não creio que algum dos opinadores no local pudesse sustentar uma só que fosse das afirmações que iam sendo proferidas.
Não é o tipo de conversa que mais me agrade, mas também não tinha como sair dali. E ia mantendo-me em silêncio.
Até que, a dado passo, a paciência se me esgotou e afirmei que a pessoa em causa até é (ou era) um estoira-vergas. E ia acrescentar pelo menos um episódio que sei, factual e que me contado por um dos intervenientes. Não consegui.
A gargalhada foi geral e a paródia enorme. Apenas em torno do termo estoira-vergas. Que nenhum dos presentes conhecia e que foi, acto continuo, interpretada num sentido completamente diverso do real.
Tive que puxar de galões, acalmar as hostes, indicar o seu real significado e referir um ou dois autores que usaram o termo num contexto radicalmente diferente do ali interpretado. E tive que ir mais longe: quando as circunstâncias o permitiram, senti-me na obrigação de rapar das tecnologias e aceder a um dicionário on-line. Só mesmo para tirar teimas.

Fiquei triste. Uma vez mais fiquei triste.
De alguns dos presentes não esperaria mais. Pese embora não ser uma condição obrigatória, tanto os seus interesses quanto as suas actividades e percurso académicos não passam ou passaram por muita leitura e bom domínio dos vocabulários. Já nem falo dos acordos ortográficos mas apenas dos vocábulos existentes e seus significados.
Agora de outros dos presentes, com funções e percursos supostamente ligados ao bem falar e ler, à comunicação falada e escrita… total ignorância. Apesar de se assumirem como especialistas na cultura e actuarem como tal.
Quando a cultura de um povo (a sua língua) é desta forma malbaratada por quem tem a obrigação de a manter viva e de boa saúde…

Por mim, continuarei a fazer questão de ter sempre por perto, ao alcance da mão se possível, duas ferramentas: destas.
Mais clássicas e analógicas (não existe fotografia analógica, mas isso é outra conversa) ou mais modernas e digitais, procuro que o que faço e digo tenha apenas as ambiguidades que quero que tenha e não as resultantes da ignorância.

By me

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