quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ser photógrapho


Estava eu no Jardim da Estrela, na minha actividade habitual por lá: Photógrapho.

E estava mais ou menos rodeado de gente: curiosos, pessoas que esperavam vez, gente que fazia fila para receberem a beberagem que nesse dia se promovia por ali… Bastante gente em redor.

A dado passo constato que, num relvado próximo, acontecia fotografia. Um homem na casa dos 50’s, razoavelmente equipado para tal, ia fotografando uma moça/senhora, no início dos trinta, vestida de forma provocante e tirando partido disso e que, com um cachorrinho, ia posando de pé, sentada e deitada na relva. Achei piada, mas tinha mais com que me preocupar: as minhas próprias fotografias.

Entre duas delas, dou de novo uma olhada e reparo que a objectiva estava, discretamente por entre as folhagens, assente em mim e no meu artefacto. Ora subia, ora descia, ora abria, ora fechava, mas era para os meus lados que os clicks aconteciam.

Não me espantei ou incomodei. Afinal, o meu artefacto e a minha actividade não só estávamos num local público como éramos algo de invulgar. E já vou ficando habituado a ser objecto de enquadramento nestes propósitos.

Passado um pouco, no meio da minha azáfama, dou comigo encostado à moça/senhora. Sorridente, com sotaque brasileiro, insinuante e colocando o cachorro entre nós, o roço era evidente.

A princípio não percebi. O cão lambeu-me o nariz – só o cão, entenda-se – e ela foi dizendo umas piadas meio sem nexo mas fartando-se de rir com elas. Até que, em virando o meu olhar, vejo o fotógrafo disparando insistentemente. Horizontal, vertical, mais aberto, mais fechado, o obturador electrónico da DSLR não parava de trabalhar.

Mantive uma certa bonomia para com a moça (que o merecia), o cachorrinho (que de nada entendia) e o fotógrafo (que olhava para mim dentro e fora do visor).

Ao fim de um pedaço, lá entenderam que já chegava e afastaram-se. Sem uma palavra, um sorriso, um olhar cúmplice ou mesmo um menear de cabeça. O trabalho estava feito e pronto.

Aqui saltou-me a tampa!

Pedindo desculpas para uma pequena pausa a quem me rodeava e esperava vez, dirigi-me ao portador da câmara fotográfica, segurei-lhe levemente no braço e afastei-o de quem com ele estava, que o que lhe tinha para dizer não era para muitos ouvidos. E ouviu!

Ouviu que, ainda que mestres no mesmo ofício, o respeito recíproco não se perdia; Que ainda que me não tivesse manifestado, um pedido prévio ou um agradecimento posterior teria sido simpático; Que por muito discreto que ele pudesse ser, a potente teleobjectiva dava nas vistas por entre as ramagens e que a encenação da moça nada tinha de espontâneo; Que eu estava a sentir-me usado e abusado; Que noutras circunstancias, com menos gente por ali e com menos trabalho também, trataria de lhe confiscar a câmara, à força se tal tivesse que ser, até à chegada das forças policiais que eu mesmo chamaria, para que as minhas imagens fossem destruídas na sua presença; E que não confiasse em demasia na alvura e comprimento das minhas barbas, que atrás delas estava quem o pudesse pôr em prática.

Engoliu em seco, atirou-me com um “obrigado” mais frio que o pólo Norte, pegou no braço da moça e afastou-se. O canito, esse, não teve que correr, que estava nos braços dela.

Por mim, voltei à diversão colectiva e consentida que o meu “Oldfashion” permite e propícia.

Não sou pessoa de ler publicações “cor-de-rosa” ou do “jet-set”. Mas, e se por acaso, vier a ver alguma imagem minha com aquela senhora e cão e sem o meu consentimento expresso… Bem, para alguma coisa servirão advogados e tribunais!

Que uma coisa é ser Photógrapho, outra é ser fotógrafo!

Texto e imagem: by me

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