sexta-feira, 16 de julho de 2010

Janelas fotográficas


Para nós, ocidentais, membros integrados da sociedade da imagem e fotógrafos, a fotografia damo-la de barato.
Quer seja a ver quer seja a fazer, a fotografia faz parte das nossas vidas e mais ou menos um carregar no botão é um acto banal. Tal como é banal lidarmos com fotografias, nos media, nos álbuns, nos computadores. Seja de coisas e lugares desconhecidos, de recordações de gentes e locais, de nós mesmos. Haverá mesmo, como me foi confessado em conversa informal, quem as rasgue por não gostar do que si nelas via. Aquela memória não a queria!
Mas, as mais das vezes, não nos apercebemos que a fotografia não é universal, nem geográfica, nem culturalmente e, importante da mesma forma, nem economicamente.

Eles eram dois.
Com um ar sujo e um olhar acossado, que lhes dava uma maturidade que em nada correspondia à sua juventude de 16 e 15 anos. A nossa comunicação foi francamente difícil, que de Búlgaro nada sei e eles de português menos que nada. No final, acabámos por falar em inglês, que o de um deles ainda dava para tal, ainda que igualmente muito fraco.
Pois quando souberam que as fotografias eram grátis – palavra quase universal – não resistiram e quiseram fazer. Questionados sobre se queriam uma dos dois ou duas individuais, optaram pelas segundas, que sempre seriam duas fotos que levariam.
Depois de as fazermos, de as receberem e de preenchido o inquérito, conversaram um pouco entre eles e quiseram fazer outra, agora em conjunto. Disse-lhes que não, que grátis seria apenas uma e que as seguintes seriam pagas. Á falta de dinheiro, recorreram a argumentos, alguns engenhosos e com o recurso à ajuda divina, mas fiquei na minha. É assim que funciono e as excepções têm que ser muito bem justificadas, o que não era o caso.
E afastaram-se ali para o lado, para a relva, com os seus odores bem fortes, com os seus sacos maltrapilhos e os seus sorrisos de meninos-homens.
Passado um pouco, e porque havia pouca gente pelo jardim, reparo neles de novo. Deitados na relva, de barriga para o ar e a cabeça assente na bagagem, entretinham-se a observar as fotografias recém feitas. Mais de perto, mais de longe, vendo, apontando e mostrando ao companheiro os detalhes, deles mesmos ou da paisagem.
Pela forma como as viam e como, mais tarde, as guardaram nos sacos informes, aquelas fotografias eram quase como que um tesoiro, imprevisto e precioso. E quando, mais tarde ainda, e depois de terem ali dormido a sesta, um à vez por segurança, a forma como passaram por mim ao partirem e se despediram apenas reforçou a minha certeza: a importância daqueles papeis coloridos que levavam nos sacos. Junto com a sujidade, a evidente fome e aqueles olhares – imberbes - que os colocam numa vivência que desconhecemos de perto. Nós, que lidamos como a fotografia como eles com restos e moedas de cêntimo.

Esta imagem que vos mostro foi feita quando eles repousavam na relva, vendo as fotografias. Aperceberam-se do retirar da DSLR do saco e do apontar a 400mm e, sem hesitar, “fizeram-se à fotografia”. Não era esta que eu queria fazer, que preferia tê-los a ver as fotos.
Mas talvez assim seja melhor. Para estes sem abrigo certo a menos de uns milhares de quilómetros, a descontracção na relva e o respectivo registo seria uma invasão da sua privacidade, que não têm. E vieram espreitar por sob uma cortina inexistente, da sua casa sem paredes, para ficarem na janela do meu enquadramento burguês.
E, como costumo dizer em tom de brincadeira mas cada vez mais a sério, não sei quem, neste negócio de fotografias grátis, fica a ganhar: Se quem as leva se quem as faz.


Texto e imagem: by me

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