quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ainda uma chave


E que faz um homem, mediano, normal e activo, ao confrontar-se num espaço semi-público com uma mulher atractiva, simpática e apenas conhecida, vestida com chinelos, cuecas e negligée?
Arromba uma porta!

Regressava a casa da bica matinal. Ao sair do elevador, oiço chamar pelo meu nome. A voz era-me familiar e vinda do andar inferior.
Espreitando pelo vão da escada, vejo uma vizinha, que morava um piso abaixo, sentada no degraus da escada, a olhar para cima e para mim. E a deixar-me estupefacto!
Tinha ela no corpo uns chinelitos com um pompom, uma tanguita e um negligée curto e quase inconstatável. Não sei se teria aliança, brincos ou outros adornos, que não os procurei!
Espantado com a situação, desci as escadas e tratei de saber o que se passava e porque pedia ajuda. Confesso que não lhe perguntei o que fazia naquele propósitos!
Contou-me ela que, tendo regressado de viagem de núpcias uns dias antes, estava em casa a dar uma arrumação às embalagens das prendas de casamento. E que vinha pondo as caixas vazias na escada, para mais tarde as ir colocar no lixo. Numa dessas vindas à escada, uma forte corrente de ar tinha-lhe fechado a porta, deixando-a na escada com pouco mais do que com que tinha vindo ao mundo. Ainda que muito aumentado!
E que faz um tipo numa situação dessas? Tentando tranquiliza-la e racionalizar a questão, que outra abordagem não seria possível, comecei por lhe perguntar pelo marido, se não teria outra chave. O que seria natural.
Claro que tinha, mas estava a trabalhar em Lisboa, só regressava pela noitinha e a agenda telefónica estava em casa. Fechada!
A alternativa lógica seria oferecer-lhe abrigo na minha própria casa, que o casal já conhecia, e colocar o meu guarda-roupa à disposição, para conforto e tranquilidade de todos. Mas, antes disso, ainda tentei outra abordagem.
Olhando para a porta, firmemente fechada, constatei que possuía quatro (4) fechaduras. A de origem do apartamento mais três posteriormente acrescentadas. Medos! E questionei-a sobre qual a que estaria a fazer de trinco e que teria que ser aberta. Apontou-me a original.
Era igual à que eu mesmo tinha tido em minha casa e que tinha retirado por frágil e de fácil arrombamento. Ainda que eu nunca tivesse tentado nada do género!
Mas, havendo sempre uma primeira vez para tudo na vida, e lembrando-me de tudo o que havia visto em filmes policiais, meti mãos à obra. Com o canivete afastei o batente, que estava apenas pregado e com um cartão de credifone tentei forçar o trinco. Fanfarronices!
Acredite-se ou não, fiquei eu mesmo bem mais surpreendido que a minha vizinha. Que, com a mesma facilidade com que se corta manteiga no verão, empurrei a lingueta do trinco e a porta abriu-se como que num passe de mágica. Fácil, fácil!
Juro que nunca tinha tentado nada de semelhante e que se o tentei fazer foi porque apenas havia que fazer algo e de nada me tinha lembrado de melhor, de atrapalhado que estava.
E ficou a situação resolvida, no que à segurança, tranquilidade, decoro e boa-vizinhança dizia respeito.
Depois de ter recebido os agradecimentos óbvios e de a porta se ter fechado de novo, desta feita com a dona do lado certo, subi as escadas e fui verificar se com a minha própria porta se poderia fazer o mesmo e com a mesma facilidade. Não podia! Pequenos detalhes de concepção, fabrico e montagem tornavam a minha fechadura muito mais segura que a outra. Talvez por isso mesmo tenha sido bem mais cara.
Curiosamente, e apesar de eu e ela nos termos rido algumas vezes do episódio, nunca tal sucedeu na presença do marido ou mesmo este se referiu à estória. Não sei se alguma vez a soube, mas pela minha boca não foi. Afinal, há coisas que um tipo não conta. Não conta que aconteçam nem conta que aconteceram.
(Nota: Já não resido no prédio em causa faz tempo e, entretanto, sobreveio um divórcio entre eles, pelo que não entendo este relato como uma inconfidência ou que venha a ter consequências por conversas vinte e tal anos tardias.)

Texto e imagem: by me

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