domingo, 18 de julho de 2010

Como ilustrar?


Não chegava a um metro e setenta. A sua barba era branca e estava de acordo com o graduado dos óculos de aros grandes e quadrados. O cão que trazia pela trela quase que lhe arrancava o braço, de seco que era de carnes.
Quando se aproximou, meteu conversa. O artefacto ali exposto é, quase sempre, motivo de conversas com o seu utilizador, de sorrisos de memórias distantes ou de apartes para os companheiros de passeio. Mas os oitenta anos deste passeante não perdoaram e acabou por se sentar no banco de jardim.
Passado um pouco de bate-papo de recordações, eis que, do outro lado do coreto, surge uma cara conhecida. Já por lá tinha passado várias vezes e muitas tinham sido as horas de conversa filosófico-política. Um dos seus entreténs é tentar desmontar a afirmação do fotógrafo em ser anarquista.
Na sua companhia vinha um gigante. Não um mitológico, mas media, bem medidos, um e noventa e cinco. Para cima.
Fotógrafo e câmara são apresentados, como figuras raras mas já típicas do local, com um comentário “Não te tinha dito?!”
Conversa vai, conversa vem e, a propósito de qualquer coisa, falou-se de basquetebol. Que o mais alto dos dois Luíses tinha praticado há uns bons quarenta anos.
E o pequenino, lá do banco com o cão ao lado, salta como que picado:

“Basquetebol? Você praticou basquetebol? É que, sabe, eu fui seleccionador do Clube Tal! Sou o Carvalhal!”
“Nem me diga! Quando? Então deve-se lembrar de mim, que treinámos e jogámos juntos!”

E lembrava! As memórias conjuntas jorraram como que fresquinhas: nomes, lugares, encontros e resultados. Fotógrafo e visitante habitual ficaram de fora, que nada daquilo lhes dizia respeito, a não ser a satisfação daquele encontro fortuito e improvável.
Dos relatos distantes resultaram nomes e encontros recentes e foram reforçados por telefonemas para outros dali ausentes mas que tinham partilhado lugares e experiências. E trocas de números de telefone.
Antes de se separarem, os dois para um almoço com terceiros, o mais pequeno com o cão para casa, deixou o conhecido uma pergunta:

“E agora? Como é que vai registar este encontro? Nem uma fotografia dos dois juntos faz?”
“Não! retorquiu o fotógrafo, Como mau repórter, fico-me com as memórias e as letras, mais tarde lançadas no papel. Depois logo penso numa imagem!”

Aqui fica, deixando as recordações e o reencontro para quem o viveu.


Texto e imagem: by me

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