O
início da história tem mais de dois anos.
Entro
eu numa loja de artigos de belas artes, em Lisboa, em busca de um bloco de
notas com o formato de que gosto e que sei já só se encontrar neste tipo de
comércio.
Conversa
vai, conversa vem, e consigo convencer a empregada que ali trabalha a deixar
que lhe fotografe os olhos. Não foi fácil o convencê-la, tanto mais que tivemos
que vir para a ponta do balcão, que a luz no interior não me chegava.
Aquilo
que não veio junto com o bloco de notas e a fotografia foi o seu nome, que não
mo quis dar. Inventei um na hora, um que os arquivos de identificação não
aceitam para registo mas que ela aceitou, e foi o que ficou no meu próprio
registo fotográfico.
Um
anos depois entrei de novo na mesma loja, desta feita em busca de um outro
artigo bem mais difícil de encontrar. Não o tinham, como eu já suspeitava, mas
tinha ela, a “menina”, uma boa memória que me surpreendeu.
Perguntou-me
se não teria sido eu que, em tempos, lhe havia “tirado” uma fotografia ali
mesmo, na loja. E queria saber o que havia eu feito com ela.
E
se eu, sem pensar no assunto, não me recordava do episódio, assim que a
“menina” o referiu recordei-me de imediato. E foi questão de, enquanto dávamos
dois dedos de conversa extra, ligar o portátil e procurar no arquivo on-line a
referida imagem. Mostrei-lha, fiz cópia e enviei-lha, muito naturalmente. E
fiquei a saber aquilo que há um ano me tinha sido sonegado: o seu nome.
Tem
esta história todos os ingredientes para ser uma história feliz, com prólogo,
desenvolvimento e epílogo. Excepto na sua moral.
Se
para nós, que lidamos com a fotografia como um padeiro lida com pãezinhos, cada
fotografia é única mas é mais uma no meio de centenas ou milhares, para os
fotografados assim não é.
De
cada vez que escolhemos alguém para fotografar e interagimos com essa pessoa,
passa ela de “Uma” pessoa a “Aquela” pessoa. É-lhe dada uma importância bem
fora do habitual, e durante aqueles breves minutos de conversa e click, passou
a ser o centro do universo. Para benefício mútuo de quem regista e é registado.
E
se nós, fotógrafos, estamos habituados a recortar o universo em pequenos
rectângulos de luz, para quem assim é recortado é um daqueles momentos “para
mais tarde recordar”.
A
situação, no seu todo, não me foi original. Já muitos foram os que me
abordaram, recordando-me que os havia fotografado nesta ou naquela situação.
Mas veio a “menina” (mantenhamos um véu pudico sobre o seu nome) recordar-me da
responsabilidade que temos, nós os fotógrafos, para com quem fotografamos, na
forma como o fazemos, nos destinos que damos a cada registo e no respeito que
devemos ter para com a pessoa que, sabendo-o ou não, nos permite ter mais um
nico do universo guardado na câmara.
E
se sobre a Ética muitos foram já os que pensaram e escreveram, muitos mais são
os que esquecem ou nunca souberam o que é a Ética Fotográfica.
Que
o uso e porte de câmara bem como o recortarmos e guardarmos o universo em
pequenos pedaços, não nos dá o direito de omnipotência sobre ele ou sobre os
registos.
By me
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